Capítulo II

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𝐏𝐋𝐄𝐍𝐀 𝐌𝐀𝐃𝐑𝐔𝐆𝐀𝐃𝐀


Brion não conseguiu dormir.

Ele permanecera no salão de entrada do castelo com Phelipe, o mais distante da porta que conseguiu. Não havia ouvido mais nenhum som da fera que lhe atacou horas antes, mas a tempestade ainda dominava do lado de fora.

Seu cavalo tivera o dom invejável de deitar por cima das patas e apagar. Brion se preocupou com a presença de seu animal no interior da casa de Rascott — ele não se incomodava com Phelipe dentro de sua casa ou até mesmo da taverna, mas não sabia o que o homem esquisito pensava sobre aquilo.

Ele se levantou sorrateiramente, evitando acordar Phelipe, e seguiu pela sua direita. Era impressionante como toda a estrutura do castelo era formada de pedras tão antigas que poderiam muito bem ter histórias gravadas ali em dialetos desconhecidos. Brion sabia ler, um hábito não muito comum em seu vilarejo, ainda mais para um jovem com sua condição financeira. O dono da taverna onde trabalhava havia o ensinado para que pudesse anotar os pedidos dos clientes, mas o jovem ia além e se aventurava, desafiando a si mesmo, com os livros mofados da estante de seu chefe.

As paredes estavam estonteantemente decoradas com pinturas e guirlandas e um sorriso escapou de Brion ao pegar um castiçal com as velas acesas que iluminavam o cômodo. Era feito de puro ouro e Brion nunca havia tocado em algo como aquilo antes. Seus dedos se envolveram no objeto como se fosse a coisa mais valiosa do mundo, fazendo-o pensar quantos anos teria que trabalhar para obter algo parecido.

As chamas das velas tremeluziam conforme Brion adentrava os corredores do castelo com o castiçal estendido. O lugar era tão imenso que tinha medo de se perder ali.

Ele achava errado perambular pela casa das outras pessoas, mas ele estava muito curioso em saber o porquê de Rascott estar naquele lugar tão grande e sozinho. E o jovem confessou para si mesmo que descobrir mais sobre o homem que tão corajosamente salvou sua vida, não seria nada mal.

Quando deu por si, Brion esbarrou na quina de uma mesa e mordeu os lábios para não praguejar com a dor. Ele ergueu o castiçal e fez ainda mais força para se calar perante à cozinha onde estava. As pedras ali eram diferentes, de granito polido, talvez. Um armário enorme preenchia o cômodo, guardando sabe-se lá o que.

Foi então que Brion teve uma ideia. Não poderia agradecer à altura pelo o que Rascott tinha lhe feito. O homem havia colocado o próprio pescoço à sorte por ele, mas ele tinha bens demais para aceitar uns de seus temperos, legumes ou cervejas que carregava na cela de Phelipe.

Mas o jovem notara a solidão de seu salvador. E decidiu preparar algo para ele comer assim que o sol despontasse por detrás das montanhas. Isso se a tempestade permitisse.

Mexendo e fuçando, Brion encontrou um caldeirão e viu um espaço na parede com resquícios de lenha queimada. Era ali que cozinharia.

Animado com a ideia, pôs mais lenha no local e a umedeceu com um óleo que encontrou nas prateleiras mais altas. Ele esperava que não fosse caro. Com a chama das velas do castiçal, Brion deu vida ao fogo e pôs o caldeirão repleto de água sobre ele.

Correndo silenciosamente até Phelipe, recolheu alguns temperos como pimenta, salsa e sal e voltou ao seu novo lugar favorito do castelo, decorando o caminho até lá. Cozinhando um ensopado com algumas cenouras e carne de ave que havia encontrado na bancada, ele iluminou todas as outras velas da cozinha.

Nem mesmo se lembrou da fera que quase o matara, apenas por estar onde se sentia bem. Por estar cozinhando.

Ele cantarolava baixinho uma música antiga enquanto colocava uma chaleira sobre o fogo. Abriu algumas portas do armário em busca de hortelã ou canela, mas não encontrou. Ele não seria louco de ir lá fora apenas para colher ervas para um chá, mas a cozinha era tão grande que ainda tinha diversos lugares em que poderia procurar.

A Maldição e o CamponêsOnde histórias criam vida. Descubra agora