Extra: A queda da aranha violeta

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Ela não consegue acreditar na situação que se encontra, nunca pensou que um dia estaria presa na cela onde viu tantos criminosos passarem (onde ela esteve frequentemente para zombar do destino deles). Seu chicote um dia leal permanece em seu dedo, mas sem qualquer tipo de resposta, a pedra roxa dos seus olhos está sem o brilho de Qi normal, uma mensagem clara, ela não é mais reconhecida como a portadora de Zidian.

O desespero percorre seu corpo quando ela sente seus meridianos afastados, fechados, selados de uma forma que ela não consegue acessar nenhuma gota de poder, suas aranhas a abandonam, olham com desprezo para a mulher que um dia prometeram seguir.

Ela não devia ter mentido para suas fiéis, não deveria ter levantado a mão para seu filho, ela se arrepende, ela se arrepende mas sabe que é tarde demais.

Lágrimas surgem em seus olhos quando é levada para fora de sua cela pela primeira vez em alguns dias, já não tão adaptada a luz forte do sol que queima seu rosto, e a mulher a sua frente, uma assombração tão familiar que gela seu sangue.

-Tia...

-Ainda ousa me chamar assim Ziyuan? Depois do que você fez?

A aranha violeta abaixa a cabeça em vergonha e resignação, apenas torce para que sua parente tenha coração e não a de nenhuma punição maior do que apenas a morte.

-Eu vou te levar para Meishan, onde você terá sua punição.

A mais nova treme ao pensar no que vai acontecer, ainda mais para ser necessário que voltem para sua terra natal, onde ninguém questionaria os gritos e choros por misericórdia.

Jogada na parte escura da embarcação ela desiste de reagir, apenas esperando um futuro que parece cada vez mais inevitável, encolhida em um canto escuro ela reza para qualquer um de seus deuses mas sabe que nenhum vai atender seu pedido.

A antiga senhora do píer lótus fica dias presa em uma cela escura dentro desse navio, sendo mal alimentada e desprezada por todos que uma vez, a uma vida atrás, foram sua família. Sua tia não apareceu, nem a olhou nos olhos desde o dia que a sentenciou a esse lugar.

Os dias passam lentos e a loucura já começa a se formar nas bordas de sua mente, as memórias que causaram sua amargura ressoam mais alto no silêncio escuro, as possibilidades do futuro a atormentam e o presente rasteja em sua pele como uma maldição.

E ela nem sabe se depois de dias ser transportada de novo é uma dádiva ou outra parte de sua destruição, o sol que ela quis tanto machuca seus olhos e a humilhação de todos a olhando, sabendo o que ela fez, faz seu rosto queimar e seus olhos se encherem de água novamente.

A aranha é colocada de joelhos no salão principal de sua seita, todas as anciãs na sua frente, outros membros da seita, pessoas importantes que um dia a observaram com admiração e respeito, a olham com raiva ou pena nos olhos (o orgulho dela se quebra em pedaços enquanto observa sua tia sentada naquele trono de pedra, a olhando como se ela fosse sujeira).

-Ziyuan, você não merece ser chamada de Yu, admita seus crimes e sua punição será menor.

Elas querem a humilhar, quebrar quem ela é antes de a matar, mas não, não conseguiriam isso, se mantém calada, sua boa trancada.

-Bem, eu te dei uma opção.

Um estalar de dedos e uma discípula aparece, sua voz se alastra pelo salão, ditando os crimes dela.

-Abuso infantil repetido e agravado por anos seguidos, abuso de poder por anos seguidos, abuso psicológico por anos seguidos, assassinato sem motivo, chantagem sem motivo, roubo sem motivo.

As pessoas começam a sussurrar e apontar, imaginando qual destino ela teria com tantos crimes, a mulher começa a hiperventilar, pânico tomando conta de seu sistema.

-Ziyuan está condenada a ser jogada na floresta de nossas ancestrais, e ser julgada pelas leis delas, com as mãos amarradas e sem núcleo dourado a morte que a espera é lenta e dolorosa.

Sua respiração é irregular enquanto ela grita, pupila encolhida de terror mas as guardas não se importam enquanto agarram seus fracos braços e a levam para seu destino final, sua tia tem a cabeça levantada para não a ver, e depois se retira rapidamente, mas ninguém questiona as ações da cansada senhora, todos sabem o peso da condenação que ela deu.

Era escuro na floresta, sempre era, as enormes teias de aranha que cobrem as árvores dão um aspeto sombrio, que no momento ela não acha nada bonito apesar de opiniões anteriores. No momento o lugar apenas representa seu túmulo.

Quando elas voam baixo o suficiente as guardas a deixam cair, seu corpo já marcado com as evidências de que ela é uma criminosa descartada e se enreda nessas teias, por um momento ela fica sem reação até se desembaraçar e tentar rastejar para longe do local, mas, ao ouvir sons de um ser pesado se movendo sabe que é tarde demais.

Uma criatura sombreia sua figura e o seu medo aumenta quando o silêncio permanece, ela sente algo agarrar seus pés e quando nota está sendo puxada pelo solo irregular da floresta, sendo esfregada contra o chão grande parte do seu corpo fica arranhado ou vermelho pela fricção e a dor é uma constante, a mulher ainda não teve coragem de levantar os olhos e olhar para a sua captora.

O terreno fica menos instável e elas chegam no que parece ser a base de um penhasco, diversos buracos na elevação, de muitos tamanhos mas nenhum deles menor do que uma pequena cabana. As anciãs das criaturas, ela está sendo levada como sacrifício aparentemente.

Tenta se debater, apenas para uma perna de aranha gigante se cravar ao lado do seu pescoço como um aviso.

Escuta outro ser rastejar para fora de uma das cavernas, a principal, merda, a rainha foi chamada. Qual o motivo? Ela não é responsável por manter os filhotes e as leis internas? Ela não seria chamada para lidar com alguém como Ziyuan, a não ser que...

E pela primeira vez a humana perde completamente a sua dignidade, sua honra, e grita, grita desesperadamente sem se importar com a aranha que a ameaça para fazer silêncio, ela implora pela salvação porque sabe que além de uma morte terrivelmente dolorosa seu corpo não terá um destino melhor.

A rainha das aranhas parece incomodada com os gritos, mas não faz nada, apenas a observa com desprezo, visualiza as marcas de seus crimes, gravados em sua pele e sorri, falando com uma voz profunda e antiga, metálica e que parece ter saído de um mundo distante de gelo e escuridão.

-Eu vejo as marcas dos seus crimes em sua pele, e você ainda ousa gritar por ajuda? Não se preocupe criança mortal, seu destino será muito mais honroso do que aquele que você merece.

Ela grita em desespero, chorando e ranho e baba empoçam no chão enquanto ela tenta desprender suas mãos e se arrasta para longe, tentando fugir de um destino inevitável.

Logo pega seu pé e a arrasta para perto da rainha, que a pega e a levanta, sorrindo com olhos completamente negros enquanto suas garras a perfuram, seda em seus pés não deixa nem uma gota de sangue vazar enquanto sua pele cria veias escuras e seus olhos começam a chorar sangue, ela se debate e grunhe  em agonia, cega, mas sua mente cria horrores terríveis que perseguem e arrancam seus ossos. Um último engasgar e metade do seu corpo já tinha sido dissolvido, agora com ela morta a aranha a deixa despencar, terminando de dissolver na ceda, fecha o tecido e o leva para dentro da caverna.

-Isso deve ser o suficiente para alimentar os filhotes quando eles nascerem.

Água em minhas veias, veneno em minha almaOnde histórias criam vida. Descubra agora