Capítulo 9, aquele sobre decisões

405 91 11
                                    




     Levamos os achados para a delegacia depois de toda a burocracia. O celular foi entregue ao grupo de tecnologia para que buscassem informações, os olhos levados ao IML e Rogério reteve a carta.

Na carta ele buscou alguma digital, ou qualquer coisa que nos informasse quem havia selado aquele envelope branco, mas não existia. As palavras digitadas e depois impressas no pedaço de papel dobrado em duas partes me fizeram engolir em seco. Um parágrafo único: O Caçador de olhos retorna e seus pecados serão redimidos. Quem é esse filho da puta? Não acreditei nem por um instante que aquilo tinha sido escrito pelo assassino de 2005. Durante seus assassinatos, o Caçador só mandou uma carta, aquela que falava suas razões para matar e exigia que a imprensa falasse sobre ele, nada desse tipo. Era um imitador, eu tinha certeza. Uma pessoa emocionada e querendo a fama do Caçador de Olhos.

— Ele planejou isso — Juan fala, descontrolado. Suor molha suas axilas e mancham a camisa social enquanto o homem, apoiado pelas mãos na cadeira na qual Rogério estava sentado, se treme. — É certeza que pegou a Cecília também.

O celular encontrado é da Cecília. Quase nada de significante havia dele: fotos apagadas não tinham informações e sua última localização foi no Viaduto Santa Ifigênia. Só que tem as mensagens trocadas com as duas irmãs e comprovavam que ela as chamou para irem embora do país. Parecia ansiosa, na troca de texto, como se algo fora do nosso conhecimento a perturbasse, mas as outras duas não aceitavam bem a ideia.

— Você vem comigo? — pergunto a Juan, ele assente.

Seguimos resguardados por uma ordem de busca até a pensão onde a professora morava na Zona Norte de São Paulo.

— Vai me retirar do caso? — Juan sussurra no passageiro do carro. Finjo indiferença. — Consigo ver no seu rosto. Pensei que estivéssemos trabalhando bem juntos.

— Você não deveria ter continuado no caso.

— Quer saber o que é melhor para mim mais do que eu mesmo? — Prendo a respiração. — O caso era meu antes de você entrar. É injusto querer me tirar agora, Laura, você sabe muito bem disso. — Meus dentes se batem, evito olhar para ele. — Não me tira do caso. O caso é meu...

Eu me poupo de responder, já chegamos na pensão.

A dona diz que Cecília havia avisado que se mudaria, mas nunca voltou para buscar suas coisas e por esse motivo que todos os seus pertences foram encaixotados e colocados em um quarto separado para inquilinos que faziam esse tipo de coisa: desaparecer.

Marinalva nos guiou enquanto perguntávamos sobre Cecília, não tínhamos muitas informações. O interrogatório de Matheus ajudou, mas um dos irmãos não foi à delegacia por estar em Brasília enquanto o outro sabia tanto da irmã quanto eu e Juan.

— Era muito calada, a bichinha — responde Marinalva de maneira gentil. — Todo mundo sempre se junta pra cozinhar ou assistir, mas ela nunca gostou. Se enfiava nesse quarto e só saia quando ia trabalhar. Eu mesma só via mais quando pagava o aluguel porque senão era quase igual um fantasma. — A senhora de um metro de nos deixa perto das caixas de Cecília no quarto iluminado apenas por uma janela alta, nos fundos da pensão.

Juan começa a mexer na caixa cheia de papeis e ignora as roupas que se resumem a branco, preto e amarelo enquanto eu pego o notebook da desaparecida. A tela é decorada por uma foto dela e Matheus, parecem mais novos e estão abraçados. Cecília é extremamente organizada. Cada pasta tem nome e cada arquivo também, como se tudo tivesse uma função exata para estar aqui. Trabalho, livros, amigos, família... Nada de anormal. Juan chama minha atenção ao coçar a garganta e o encaro. Não há cor em seu rosto, isso me faz travar.

— O que achou?

Um papel branco está entre as luvas de mesma cor na mão dele. Uma carta.

— "Não esqueço aquela esquina, a graça da menina, eu só queria enxergar. Por isso eu me entrego a um imediatismo cego. Pronta para o mundo acabar" — diz, seguindo um ritmo que me é familiar. Juan está ofegante quando estende o envelope em minha direção. — Olha o remetente — pede e meu coração fraqueja ao ler a localização do galpão que estive mais cedo.

Coloco o notebook de lado e fico de pé.

— E o fim — Juan diz e está me dando a carta. — "Vou te caçar, comece a correr".

Em um curto instante de lucidez, meu rosto relaxa completamente. Juan está me olhando, eu digo:

— Você cantou com ritmo. — Estendo a carta de volta a ele. — Qual é a música?

Juan coloca-se de pé.

— Tem um "O mundo acaba hoje, quer dançar comigo?" também, aqui, na primeira linha. É referência ao refrão da música. O mundo acaba hoje e eu estarei dançando — sussurra e depois repete apenas a melodia com os lábios colados.

É o mesmo ritmo murmurado repetitivamente por Cassandra e suas irmãs no vídeo.

— Não é o mesmo assassino — defino. — Juan, essa pessoa tem comportamentos completamente diferentes do Caçador de Olhos. — Queria ser capaz de absorver o impacto que falar isso tem nele. — Estamos procurando outra pessoa, mas que tenta muito se passar pelo Caçador de Olhos.

Seus lábios tremem e as narinas se abrem. Dou um passo até ele, mas Juan me pede silêncio com o dedo indicador da mão direita e começa a retirar as luvas antes de deixar o cômodo.

Rogério tem razão. Juan não continuar na investigação. Deveria ter pensado mais com a cabeça e menos com o coração. Desde o início, ele esperava que fosse o mesmo homem, mesmo que sua racionalidade lhe dissesse o contrário. Juan precisava que fosse o Caçador de Olhos, mas já está claro para mim que não é.

***

O observo de longe.

Sei que está furioso porque a perna não para quieta enquanto Juan fuma encostado no parapeito da sacada do apartamento como há mais de um ano não fazia. Juan olha para trás, continuo neutra, e logo ele volta a me ignorar. Já sabia que ficaria raivoso, mas essa é a única coisa que posso fazer pela sanidade dele. Fiz um pedido para retirar ele do caso depois que saímos da pensão e agora ele não é mais um investigador desse crime.

Juan acaba de entrar na sala. Estou arrumada e começo a me levantar.

— Vamos? — pergunto, ele passa por mim.

— Vamos. — Evita me olhar, como faz quando não deseja ceder a uma decisão minha.

Arrumo o vestido preto que acaba acima dos meusjoelhos e agarro a mão de Michele antes de caminhar até a porta. Estou tensa.Pela briga também, mas mais porque ficarei algumas horas sendo questionada sempiedade pelo irmão dele, Thiago, em um jantar que não poderia acontecer emmomento pior.

Não Deixe a Puta MorrerOnde histórias criam vida. Descubra agora