Sentei-me na minha poltrona de frente para a lareira. Apesar do dia já ter amanhecido, o tempo havia piorado e lá fora nevava terrivelmente. Eu não dormira, de novo. Havia anos que meu sono só vinha durante o dia. A porta rangeu, mas não me virei para ver, pois sabia que apenas Elina viria até ali.
— Devia ir dormir. — Elina Bao disse, parando ao lado da minha poltrona.
— Como está a princesa? — Eu perguntei. A respiração pesada de Elina se fez ouvir antes que ela respondesse:
— Ainda está dormindo na cela.
— E a minha filha? — Perguntei. Estendi minha mão para taça de vinho, pois o líquido me relaxava e me ajudava a dormir.
— Ficou um tempo lá embaixo e depois foi dormir. Ela não é como nós, geralmente dorme durante a noite. Pedi para uma das guardas ficar de olho nela, então vá descansar. — Elina explicou.
Fitei as chamas dançando na lareira, como se elas trouxessem memórias. Meu povo controlava a neve, mas o fogo é que era meu amigo.
— Sabe que você fez o certo, não é mesmo? — Elina perguntou, dado meu silêncio. Beberiquei o vinho e suspirei.
— Ela deve achar que eu apenas a usei. Devo mesmo ser uma péssima mãe. — Eu murmurei.
— Você ainda não teve a chance de ser a mãe dela. No momento, você fez isso por nós, Lilura. Você sempre cuidou de nós como uma verdadeira mãe. — Elina me defendeu, mas não me convenceu.
— Eu só não fui uma mãe para os meus próprios filhos... — Eu murmurei. — Acha que outras bruxas me apoiariam se souberem do meu plano, Elina?
— Não importa, nós te entendemos. E tivemos sorte de encontrar a princesa bem antes do dia final. — Elina respondeu.
— O preço do que faremos é que perderei de vez a minha filha. Será um dia triste na próxima lua de sangue. — Eu suspirei e me ergui, levando a taça vazia até um móvel no caminho. — Vamos dormir. O dia já nasce.
— Eu irei logo. — Elina se limitou a responder.
— Elina... — Chamei. Ela me fitou. — Uma vez uma bruxa...
— Sempre uma bruxa. — Ela respondeu, e eu sorri, deixando o quarto.
Caminhei pelos corredores escuros do castelo. Um dos grandes efeitos da bruxaria ao longo dos anos era justamente que nos tornávamos cada dia mais como as criaturas da noite. Portanto, era inevitável que a noite nos fosse uma dádiva, e o dia fosse um momento de descansar.
Era decerto irônico que os corvos fossem associados as bruxas, quando os corvos eram criaturas diurnas. Talvez fosse por que os usávamos para fazer nossas tarefas no momento em que dormíamos. Ou talvez fosse mesmo por que Aleen o fizera no passado.
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O Martelo das Bruxas - Volume II: As Crônicas dos Guardiões do Alvorecer
FantasyNo Volume II desta trama, o grupo de aventureiros finalmente colide. Uma aventura com piratas toma lugar em alto-mar, enquanto, em terra, um conflito se desenvolve, e aumenta a tensão entre as nações vizinhas. Diante da infindável perseguição, esses...