Capítulo 17

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[Lucca Zarmora]

Eu fedia a podre, meu cabelo estava grudento e minha pele pegajosa de um jeito nojento. Eu havia deixado um rastro de pegadas melecadas pelo caminho por onde eu tinha passado e, sinceramente, meu carro iria direto para o ferro velho porque eu tinha certeza que nenhuma lavagem ia conseguir tirar aquele cheiro horroroso dos bancos de couro.

A água da banheira estava assustadoramente marrom e eu mais parecia o resultado de uma receita experimental que não deu certo com todos aqueles pedaços de alimentos que estavam se soltando do meu corpo, a diferença era que todos eles estavam podres, moles ou azedos.

Depois que cheguei em casa houve uma grande mobilização para me ajudar a voltar a dignidade com banhos, palavras de conforto e apoio típicos da minha família, e eu agradecia por isso, mas o que eu queria mesmo era ficar um pouco sozinho para poder organizar meus sentimentos. Eu não sabia dizer se havia um sentimento único para me descrever no momento – e talvez um pouco sozinho me ajudasse a descobrir – o que eu sabia era que o tipo conformista e resignado nunca fez parte de mim, eu era mais do tipo que da o troco, se revoltava ou preparava uma resposta, mas era difícil me concentrar somente nisso, especialmente quando o sentimento de humilhação ainda estava muito forte dentro de mim.

—Aqui. – A Mika entrou no banheiro disposta ajudar e, sinceramente, eu preferia que ela me zoasse, desse risada da minha cara ou me infernizasse como ela gostava de fazer do que me lançar aquele olhar de pena todas as vezes. – Esse shampoo vai tirar o cheio que o ovo podre deixou no seu cabelo, com certeza.

Ela estava errada na primeira e na segunda vez, mas claro, porque não tentar pela terceira lavagem?

—Obrigado, Mika.

Murilo agradeceu, enquanto se sentava atrás de mim na beirada da banheira e me encaixava no meio das suas pernas para começar a passar o produto nos meus cabelos. Suas mãos eram macias e gentis massageando meu couro cabeludo e faziam o trabalho de tirar toda aquela gosma nojenta dos fios com bastante espuma, um trabalho que não era dele, mas que ele insistiu em fazer desde que eu entrei pela porta da sala.

—Vai, pode falar.

Pedi com os olhos fechados e meio derrotado.

—O que?

—Que você me avisou. – Completei ainda de olhos fechados. Nesse instante seus dedos pararam de se movimentar por um momento e eu pude ouvi-lo suspirar. – Pode falar.

—Eu nunca vou te falar isso.

—Porque você é bom demais?

—Não. Porque não se deve usar a maldade das outras pessoas como forma de ensinar uma lição a alguém. – Fez uma pausa para pegar o chuveirinho da banheira e logo começou a tirar toda aquela espuma de mim. – Aquelas pessoas foram más com você, mas nem por isso eu estava certo em tentar fazer com que você não fosse para o jogo, você fez o que queria e achava certo naquele momento, não tem como culpar alguém por isso.

Não senti necessidade de responder porque estava ocupado demais pensando no que ele disse, talvez ele estivesse certo e eu devesse me libertar daquela culpa que no fundo eu sabia que sentia. Mas como...? Eu sabia que se não fosse pelo meu mal gênio, pelo meu jeito inconsequente e precipitado de resolver as coisas, de fazer as coisas como eu queria e não querer deixar que ninguém me pressionasse, nada daquilo teria acontecido. Eu poderia ter evitado sim, e, era esse o pensamento que me martirizava a todo o momento.

Depois de me lavar pelo que pareceu ser um dia inteiro, nós em conjunto concordamos de que o cheiro praticamente já tinha sumido e que eu poderia voltar a convívio da sociedade depois de passar um perfume e colocar uma roupa limpa. Assim o fiz e imediatamente comecei a me sentir melhor fisicamente, o emocional ainda faltava, e eu sabia ficaria assim por mais algum tempo, mas já era um começo.

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