Capítulo Único

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Seria muito mais fácil se a vida tivesse um manual, mas não nascemos com um livro de dicas e opções do que temos que fazer e quando fazer. Na verdade, simplesmente não temos uma ordem. As coisas simplesmente acontecem quando menos esperamos e de repente, bum, uma explosão de sentimentos que atingem o nosso peito e que geram ações e reações.

De todas as ações que a vida me trouxe, tem uma em especial que eu não me arrependo. Ela tem o cabelo cacheado mais bagunçado ao acordar e tem uma covinha linda na bochecha.

— Theo, está na hora de acordar. — Disse cutucando sua bochecha e ele virou de lado.

Como de costume, ele nunca acorda quando chamo. Abri a janela do quarto para sentir o restinho de um dos meus amores desde mais novo, o contato com a luz, com a natureza. Fui criado em uma família de marceneiros que derrubavam árvores e plantavam depois, inclusive trabalho com isso, levanto bem cedo para pegar madeira e construir móveis ou qualquer coisa que pedissem.

— Você vai ficar vermelho se ficar muito tempo aí, Calis. — Ele disse com a voz de sono.

— Obrigado por me dizer que sou muito branco, Theodoro. — Revirei os olhos e ele riu.

— Só estou dizendo isso, porque eu te conheci assim — Ele sentou na cama e olhou sério por um momento — Você parecia um pequeno pimentão com machado na mão.

A gargalhada dele veio de uma hora para outra. Eu juro que se não tivesse muito amor envolvido, eu já teria amarrado este menino em qualquer lugar no meio da floresta e ter deixado por lá mesmo. Precisei esperar por pouco tempo até ele fazer o grande trunfo dele, o risinho de porco e ele segurar a boca tentando controlar e não conseguindo

— Olha só quem está pimentão agora — ri alto enquanto ele ficava vermelho.

Nos conhecemos quando éramos crianças. Theodoro estava correndo pela floresta brincando de pegar insetos e acabou esbarrando em mim. Acho que a visão dele deve ter sido ótima, de um menino metade branco e metade vermelho, segurando uns pedacinhos de árvore que meus pais haviam cortado.

Com o tempo, nossa amizade foi aumentando e as famílias começaram a se unir. Literalmente, tipo, minha irmã e o irmão dele se casaram e com isto ficamos mais próximos. O problema é que, eu não achava que essa proximidade toda poderia criar um sentimento mais intenso. Como esse que eu sinto quando estou olhando para os olhos radiantes dele e cara... brilham como as estrelas do céu.

— Acho que você tem que ir, Dona Marta vai me matar e dizer que estou te levando para o mal caminho — Disse para ele.

— Já escureceu, né? — Disse ele um pouco para baixo — Minha mãe vai dizer o mesmo da outra vez, "O Calisto não está te levando para beber, né? ".

— Fico impressionado que sua família ache que eu faça isto, sendo que é você quem compra sempre.

Rimos um pouco e ele pegou uma pequena bolsa com os trocados do dia, e pelo visto conseguiu vender bem as plantações no centro da cidade. O segui até a porta e antes de abrir ele me abraçou. Um abraço calmo e seguro, quase como o aconchego que eu sinto quando estou com a natureza, e sussurrou no meu ouvido algo que ele me obrigou a ler:

"Se os horizontes são largos, para os meus grandes desejos..."

"Entre os verdes arvoredos, o amor tem mais segredos..."

Sussurrei de volta e pude sentir uma risada baixa próxima ao meu ouvido, ele se afastou e sem olhar para trás, saiu da casa e fechou a porta. Era sempre assim as despedidas quando descobrimos que tínhamos algo diferente. O peito apertava, a respiração oscilava e eu só queria dizer "fique aqui, não vá", porém, este sentimento é um grande desejo e permanece em segredo para os outros.

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