Você não parece surpresa — Ann diz. Ela está sentada na cama de Ada, e me encara buscando algo em meus olhos, desvio o olhar de seus escuros olhos em direção ao chão.
—Eu sabia que isso ia acontecer alguma hora — respondo. O namoro entre Ann e Klaus era de certa forma inevitável, a anos eles trocavam olhares e sorrisos, que eu só fingia não perceber, mas quando se trata um do outro eles são bem transparentes. — Só estou preocupada com você, ele é um príncipe e você trabalha no castelo, o que a família real acha disso?
— Eu pedi para ele não contar a ninguém por enquanto.— ela respondeu.
—Você tem noção de onde está se enfiando? Ele vale isso? —encaro os olhos brilhantes e escuros de Ann, por mais desconfortável que seja para mim ela precisa entender que estou falando sério. Se descobrirem que Ann namora o príncipe, todas as criadas começaram a olhar estranho para além da pressão por parte da realeza para ele se casar com alguém mais importante, eu sei que isso seria especialmente difícil para ela, já que Ann sente a necessidade de ser amada por todos.
—Eu vou ficar bem, não sou uma criança.
Não respondo, ficamos em silêncio por um tempo antes de ouvir o som da maçaneta, Ann tinha trancado a porta quando conversamos e esqueceu disso. Me levanto e giro a chave que já estava na fechadura quando abro a porta, um vento frio que passava pelo corredor entra no quarto. Ada entra no quarto, seguida de Elaene que carrega uma bandeja com algumas torradas e duas xícaras de café.
— Sobre o que vocês estavam falando que trancaram a porta? — pergunta Ada.
—Coisas de irmãs.—fala Ann.
Isso é o suficiente para cessar a curiosidade de Ada, no nosso dormitório temos uma lei que nunca foi realmente dita, as coisas de irmãs ficam entre irmãs, claro que eu e Ann não somos realmente irmãs com Ada e Elaene são, eu fui adotada pela mãe de Ann, Eleanor, quando eu era muito pequena para me lembrar, a única coisa que eu sei é que pelos meus olhos azuis meus pais devem ter sido alguns refugiados de Nea Mitéra e por mais que eu seja curiosa por natureza, eu nunca procurei saber, por medo do que eu vou encontrar.
—Da próxima vez vocês vão ao refeitório e nós ficamos aqui tendo conversas de irmãs. — Elaene diz deixando a bandeja na mesa de cabeceira entre as duas beliches do quarto.
Pego uma torrada e a xícara mais perto de mim, ainda estou de pijama, que na verdade não é bem um pijama, mas sim o uniforme casual que o castelo dá, uma calça de tecido creme e uma blusa de botão com a manga curta da mesma cor e um bordado com o número do dormitório, a essa hora eu já deveria estar trabalhando, porém hoje nosso dormitório está de folga, um evento semanal.
Ann sai da cama de Ada para tomar café, porque Ada odeia que comam na cama dela. Ada tira o sapato e fica com a meia antes de sentar na sua cama, Elaene estava de chinelo, então ela só o balança para fora de seus pés antes de se sentar na minha cama.
Durante o café Ada começa a falar sobre as meninas do dormitório ao lado que também estavam de folga e que foram ao refeitório de pijama, falava sobre como ela estava indignada com a falta de profissionalismo e responsabilidade delas.
Ada sempre foi muito rígida e formal quando se trata de trabalho. Quando éramos mais novas a responsável pelo nosso dormitório era a Marie uma senhora de olhos penetrantes, ela não gostava muito de mim e Ann, provavelmente por sermos muito novas, ela vivia dizendo que na infância Ada era muito mais comportada, depois que Marie se aposentou Elaene entrou em seu lugar e Ada virou a responsável pelo dormitório.
—O que nós vamos fazer hoje? — Ann pergunta tomando um gole do café.
—Então resolveu ficar com a gente?— Elaene diz olhando Ann. Ann tinha o costume de nas suas folgas de, quando não conseguia um passe para ir a cidade, andar pelo castelo, pegando romances na biblioteca ou seja lá o que ela faz quando passa o dia todo fora.
—É porque o príncipe Klaus não está aqui.—falo de forma ácida e me arrependo imediatamente, não preciso olhar para Ann para saber que agora ela me olha feio. Tomo um longo gole de café na esperança do calor da bebida esconder minha vergonha. Elaene ri de forma escandalosa, o que faz com que Ada também a acompanhe, fazendo eu enrubescer mais ainda.
A manhã segue calma, Ada ajeita o cronograma para a próxima semana e Elaene, eu e Ann estávamos decidindo quem iria a lavanderia lavar as nossas roupas, já que apenas uniformes podiam ser misturados na roupa suja.
—Eu já fui na semana passada—digo — Eu não vou de novo.
—E antes da Mel tinha sido eu— ouço Ann dizer, ela está na sua cama, acima da minha então não a vejo.—Então agora é sua vez Elaene.
— Não, antes dela foi eu— Elaene respondeu. Isso desencadeia uma discussão entre as duas, Ada que estava sentada em sua cama até agora, solta um longo suspiro. Ada tem apenas a sua folga para organizar onde cada uma de nós vai fazer na semana de acordo com as tarefas que a Rylia, chefe das criadas, dá a ela e depois devolver com os nomes a ela, além disso toda semana Ada vai ao posto do exército que fica no muro dos castelos para receber e deixar nossas cartas, então tentamos não incomoda-lá. Me levanto e pego o cesto com a roupa que fica no canto do quarto.
—Eu vou — digo e saio do quarto sem olhar para elas, quando atravesso a porta percebo que elas ficam em silêncio ao me ver sair. A lavanderia é a única área de serviço no térreo ao invés do subsolo, isso para aproveitar melhor a luz do sol. Apoio o cesto em cima de uma bancada, ouço a porta se abrir atrás de mim. Me viro rapidamente e a cabeça de Ann aparece pela fresta da porta, seus cabelos escuros escorrendo pelos ombros.
— Quer companhia?— ela diz entrando na lavanderia e fechando a porta atrás.
—Se você ia vir aqui de qualquer jeito, porque me fazer lavar a roupa?
—Ada me mandou aqui, disse que você não devia fazer isso—ela diz e se senta na bancada de pedra, ao lado do cesto. Ela balança as pernas com uma criança em um balanço, a bancada tem a altura da minha cintura, porém Ann é baixa, a mais baixa do nosso dormitório, acho que isso contribui para visão da irmã mais nova que todo mundo tem dela.— Então você vai ficar sentada aí? — Estou parada apoiada na bancada entre ela e o cesto.
— Não — ela salta da bancada com um pulo. — Você pode, pelo menos, me fazer companhia enquanto eu lavo a roupa?
— Se você for falar, sobre seu novo namorado? Não—digo.
— Deixa de ser ranzinza, ele é seu amigo também.— Eleanor, mãe de Ann e minha mãe adotiva foi responsável por cuidar dos príncipes mais velhos Klaus e Darren, então acabamos crescendo juntos, Darren por ser o próximo na linha de sucessão se mantinha mais distante, já Klaus se aproximou de nós duas com o tempo.— Lembra quando costumávamos brincar de se esconder no jardim, e você achou um jardim secreto que ninguém usava?
—Lembro, me arrependo de ter contado para vocês, agora ele é seu ponto de encontro romântico.— Ann tosse, como se tivesse engasgado, olho para ela e percebo que ela fica corada.
Eu já vi algumas vezes ela saindo sozinha pelo jardim, na verdade toda folga, menos nos dois últimos meses quando os príncipes saíram em uma viagem diplomática, não foi difícil entender.
Ann fica em silêncio e se concentra em lavar a roupa, uma risada escapa entre meus lábios, ela me olha zangada. Ajudo ela a lavar a roupa, depois de um tempo Ann esquece que deveria estar chateada comigo e começa a falar sobre alguma criada que foi vista namorando com um guarda de alto escalão, e me lembro do que o príncipe Klaus disse uma vez, na época tinha um boato de que ele ia se alistar no exército porque seu pai, o rei, estava decepcionado com seu desempenho, o que não era bem um boato ja que era verdade, ele me disse que as criadas tem uma "rede de fofocas", na época eu achei estranho ele falar isso, mas era porque eu sempre era excluída pelas mais velhas por ser tiorina, mas agora que as pessoas aqui se acostumaram comigo e sou mais incluída percebo que é verdade, nada fica escondido da "rede de fofocas" por muito tempo.
Repreendo Ann e digo que a próxima notícia a passar pela boca das criadas vai ser a dela com o príncipe. Ela ri, e percebo que ela está preocupada, mesmo dizendo que não. Ela completa dizendo que eles sabem esconder, mas duvido muito que esse segredo vá durar.
Quando voltamos ao dormitório não tem ninguém, e pela hora elas devem estar almoçando. Me jogo na cama e falo para Ann:
—Tem um livro sobrando? — ela está pondo o cesto com as roupas dobradas na cama de Ada.
—Não, só o que eu estou lendo—ela pega o livro em cima da mesa de cabeceira e o mostra para mim. — Porque você não vai à biblioteca?
— Não, a mulher da biblioteca não gosta de mim—uma vez eu fui na biblioteca pegar um livro para Ann e ela me olhou de cima a baixo e me disse que criadas não podiam pegar livros. _ além disso, ler é coisa sua.
—Então porque pediu?— ela põe a mão na cintura e para na frente da minha cama.
—Deixe de ser chata Ann, eu só estou entediada— digo jogando preguisosamente o travesseiro na sua direção, que acerta o chão.
—Vai… _ ela começa a dizer mas é interrompida por uma batida na porta. — Será que eu tranquei de novo?
Ela caminha até a porta, e quando ela abre eu não ouço Ada ou Elaene entrarem mas sim duas vozes que eu não conheço, levanto minha cabeça e vejo duas mulheres, ou melhor, meninas, com uniforme de criadas um pouco largos, percebo que eu nunca as vi antes, então elas devem ser novas no castelo.
—Ah sim, — Ann diz as meninas, que não devem ter mais de quatorze anos—Qual o nomes de vocês?
As meninas falam muito baixo e não consigo ouvi-las, só vejo Ann concordar com a cabeça, uma delas olha para mim, seus olhos param em mim com curiosidade e vejo seu braço cutucar discretamente a outra. Ann percebe que as duas estão olhando para mim e se vira para me apresentar.
—Essa é a Melanie— dou um sorriso tímido em direção as garotas, que parecem curiosas._ Melanie, essas são Milla e Julia, novatas do dormitório E.
—Seus olhos são tão azuis —Milla é a primeira a falar— Parecem o céu.
— Obrigada—digo meio sem jeito, me sinto exposta, nunca falaram diretamente sobre o fato de eu ser tiorina, estou mais acostumada com as pessoas me olhando torto ou com curiosidade. É comum encontrar pessoas tiorinas na capital e em alguns vilarejos perto da fronteira, isso porque depois que Néa Mitera se transformou em ruínas muitos refugiados migraram para cá, porém no castelo e algumas cidades ao norte de onde muitas das criadas nasceram foram pouco afetadas por essas migrações, então elas ainda ficam curiosas e assustadas.
—De onde você veio?— Julia pergunta.
— Nasci na capital.— isso é uma meia verdade, é o que consta no meus documentos, mas Eleanor não sabe a o certo onde eu nasci.
Algo nessas meninas me irrita, talvez o fato de elas me verem como motivo de curiosidade ou o fato de elas me perguntarem coisas que eu deveria saber sobre mim e não sei. Volto a deitar na cama e fecho meu olho novamente, Ann percebe meu desconforto e se despede das meninas, que vão embora.
— Acho que elas vieram aqui para te ver. _ ela diz rindo.—Você é famosa.
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Olhos Azuis
FantasyMelanie se acostumou, se acostumou com os olhares estranhos quando pensavam que ela não estava olhando, ou como nunca a encaravam nos olhos, como preferiam falar com suas colegas, ou sua irmã a falar com ela. Ela era vista como estranha, seus olhos...