Por volta das cinco da manhã, em um dia chuvoso, Clara acordara com o barulho estrondoso dos trovões. A menina amava a chuva, mas não sabia amar a tempestade que vinha com ela. E isso refletia em sua vida também. Após levantar-se assustada, decidiu arrumar-se para o seu trabalho, afinal, uma cafeteria deveria servir cafés bem cedo. Embora fosse a dona do próprio negócio, havia dias sombrios como este, em que nada importava, exceto a vontade de continuar dormindo. O estabelecimento estava localizado no centro do Rio de Janeiro, não na área nobre da cidade, ela não teria dinheiro para isso. Todavia, ela não morava lá. Ainda estava juntando dinheiro para a mudança, e tudo isso dependeria do seu próprio esforço. O maior problema era esse: se esforçar.
Não havia tempo a perder, então ela pegou sua bolsa e foi direto para o ponto de ônibus próximo de casa. Já eram cinco e quarenta quando o 112 c, Caxias x Central chegou. Ela deu bom dia ao motorista, que já conhecia a menina e sempre a tratava com simpatia. E então, se sentou no banco do meio, pois era alto e ela gostava de estar atenta.
Ao chegar na cafeteria, o relógio marcava 06:57, então ela tinha chegado a tempo. Seu cliente fiel já estava na porta, Seu Zé, um homem de aproximadamente 70 anos, possuía estatura média e cabelos grisalhos.
–Bom dia, menina. –Disse ele, enquanto esboçava um sorriso gentil. – O motorista acelerou desta vez, né? A gente tem que correr contra o tempo mesmo.
Eu sorri em resposta, ele havia me esperado por vários dias. Ele nunca muda de cafeteria, mesmo quando a linha vermelha está engarrafada e eu chego quase nove horas da manhã. São poucos os clientes gentis como ele. Após tirar a chave da bolsa, encaixei-a na fechadura da porta e girei. Quando a porta subiu, ele me acompanhou gentilmente para dentro e se sentou na cadeira do balcão. Fui rapidamente até o freezer para tirar os doces e colocá-los na vitrine. Após organizá-los e ouvir mais uma história do Zé, finalmente fui preparar o café.
– Quer algo novo ou o de sempre? –Perguntei, enquanto me virava para procurar as opções de café na prateleira.
– Você me conhece, eu quero o de sempre. –Ele disse, em tom de risada. Retruquei que o novo lhe assustava e ele negou. –Eu apenas amo um bom café e tenho minhas preferências, mocinha.
Após servi-lo, comecei a preparar novas sobremesas, bolos, tortas, sanduíches e biscoitos. Tudo deveria estar prontinho aguardando novos clientes. Enquanto preparava a massa de um bolo, abri um saco de farinha e o coloquei na prateleira de cima. Ao fazer um movimento nada gentil, a farinha caiu toda em meu cabelo. Os cachos castanhos trocaram de lugar com fios extremamente brancos. E minha pele negra, agora estava totalmente coberta com pó branco.
Tentei me limpar rapidamente, mas para a minha sorte, um cliente chegou no exato momento. A porta da cozinha, que dava saída para a loja, estava semiaberta. A pessoa não poderia me ver, mas eventualmente, eu teria que sair.
–Um minuto, por favor. –Pedi ao cliente. De forma desajeitada, tentei usar as mãos para tirar a farinha do meu cabelo, provavelmente sem muito sucesso.
Quando fui até o balcão, o menino que me olhava tinha olhos claros, como de um felino. Um castanho tão claro que eu nem saberia descrever. Ele tinha um undercut crespo e sorriu de forma ligeira ao me ver cheia de farinha, me senti desconfortável diante de sua encarada, mas não me acanhei, pois não poderia demonstrar fraqueza a um cliente. Eu nunca havia visto aquele cara por ali.
–Bom dia, me vê um cafezinho preto com biscoitos. Hmm, quero esses aqui com geleia de amora. –Ele disse, apontando rapidamente para os biscoitos no balcão. –Ah, é pra viagem.
Eu acenei com a cabeça e comecei a preparar o pedido. Embrulhei os biscoitos em plástico filme e colei um adesivo escrito "feito com amor", embaixo da frase havia o número da cafeteria. Coloquei os biscoitos em uma embalagem de papel e selei. O café foi posto em um copo para viagem com 250 ml.
–Aqui está. Custa R$9,50. –Disse olhando novamente para os olhos dele. Ele tirou o dinheiro da carteira e entregou sorrindo. Agradeceu pelo pedido e saiu pela porta. Ele parecia ter cerca de 1,90 de altura e o cheiro amadeirado do seu perfume continuou pairando pelo ar depois de sua partida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Preenchida pelo amor
RomanceOs dias de chuva sempre foram os preferidos de Clara, pois o som relaxante e a sensação fria faziam com que ela quisesse passar o dia inteiro debaixo do cobertor. Com o tempo, esse desejo se tornou uma necessidade diária, com ou sem chuva. A vontade...