Conto: A Creche

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Há um tempo atrás, fui buscar minha filha na escola. Acabei sendo assaltado, por isso cheguei 50 minutos atrasado. Levaram todo o meu salario -mesmo que 971,00 reais não dê pra quase nada. Sim, podem me chamar de louco por andar com todo o meu salario na carteira. Mas não confio em bancos nem em caixas-eletrônicos. Chegando na escola, vi que o portão estava totalmente escancarado. Digo que até um pouco destruído.
Andando mais um pouco, percebi que a escola estava deserta. "Hahaha, como eu sou idiota. Eles iam ao zoológico no dia 30" pensei.
Olhei no celular, e vi que hoje era dia 29.
Estranho.
Disquei o numero da minha ex-esposa. Depois da quarta vez, ela atendeu e disse:
-Marcos, cadê a minha filha? Já são 18h20.
- Elaine, a Gabi saiu mais cedo?
-Não. Você sabe que não -respondeu ela, irônica.
-Ué, mas a escola está vazia...
- Marcos -gemeu Elaine-, por favor... Você cheirou de novo, marcos? -Cala a boca, sua cadela imunda! -gritei.
- Eu só vim buscar a porra da minha filha. Ela não está aqui, merda! Desliguei o celular.
Já havia escurecido. O céu estava bonito e estrelado, mas sombrio. Lembro que ventava muito.
Entrei na escola.
Escutei alguém cantando uma musica, como se esse alguém já estivesse em um estado avançado de decomposição, e as larvas já estivessem comendo sua garganta.
Pirulito que bate-bate
Pirulito que já bateu...
-Ai, meu Deus. -sussurrei.
Para falar a verdade, não sei se acredito em Deus, mas acho que falei isso para não me sentir tão solitário naquela escola.
Que escola estranha, pensei.
Já devia ser umas 19h00, pois a única fonte de luz vinha do poste da rua.
-Uau -sussurrei um pouco mais alto-, que fantasmagórico. Até parece um filme do Freddy Krugger. Cara, ninguém mais usa a palavra fantasmagórico. Marcos, você fala sozinho, sabe por quê? Sim. Porque sou um fracassado.
Na época, eu e Elaine havíamos terminado fazia 1 mês. Eu descontava toda minha frustração em bebidas, drogas e sexo com desconhecidas. Na verdade, eu já fazia isso sem ter nenhum motivo. Eu sobrevivi de um aborto mal-sucedido. Talvez seja esse o motivo. Aquela prostituta drogada e imunda.
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu
No dia, eu estava um pouco chapado, e, talvez, eu ainda esteja um pouco hoje. Mas ainda me lembro como aquela musica simples e infantil se parecia demoníaca cantada na voz daquela coisa. Abri a porta da sala 1, a sala da Gabi.
No canto da parede, ela estava toda encolhida. Lembro que chorava e gemia.
-Oh, Gabi -disse, pegando ela no colo.- Por favor, não chore... O papai chegou, filha.
Se o diabo realmente existir, ele teria aquela cara, aquela voz, aqueles dentes pontiagudos, aquele hálito e aqueles olhos negros, como se toda escuridão do mundo fosse compactada em dois globos oculares.
Às vezes ainda sonho com ele.
-Olá, papai! -disse ele.- Que saudades do meu papai resto de aborto! Depois disso, ele me deu uma mordida no meu ombro. Gritei. Fui puxar seu cabelo, mas ele recuou e avançou de novo.
-QUE PORRA É ESSA? -Gritei.
-HAHAHAHA -gargalhou ele, mostrando aqueles dentes pontudos e podres. Gosto de sangue, cheiro de sangue e sangue. O lugar que um dia já havia sido uma sala de aula, naquele dia, parecia um abatedouro clandestino.
-Agora -disse satã tentando sensualizar chupando o meu dedo indicador decepado-, o papai vai foder a filhinha demônio.
O ser com uma força sobrenatural me jogou no chão e subiu em cima de mim. Começou a cavalgar e a passar aquela língua comprida pelos dentes nojentos.
-O pau até que é grande para um bebê com má-formação -debochou,sentindo eu ficando excitado.
Tentei dar um soco nele, mas ele enfiou aquelas unhas enormes e pontudas nos meus olhos.
Depois disso, não me lembro de muita coisa, pois minha visão ficou embaçada com o sangue que saía dos meus olhos. Talvez nós tenhamos transado, mas bati com a cabeça e não me lembro de mais nada depois disso.
Hoje em dia, ainda tenho as marcas das mordidas, mas meu amigos daqui do hospital psiquiátrico insistem que sou eu as vejo. Meus dedos cresceram de novo, mas não sei se gosto disso, pois eles só aparecem quando me dão meus remédios. Às vezes, Gabriela e Elaine vem me visitar, mas finjo que não me lembro delas.

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