Andar com Helion nos corredores é bom. Ele me enche de perguntas sobre meus dias, o que fiz, o que comi, até mesmo com quais sonhos tive. Rindo, eu respondo tudo:
—Meus dias tem sido bons, meio estranhos, mas bons.
—Fiz várias coisas, mas dormi muito, e também passeei um pouco na cidade, mas me perdi e desisti.
—Sabe lagostas? -ele assentiu, animado. —Então, comi algo parecido, acho.
—Não tenho sonhado com nada digno de nota -admito, e ele balança a cabeça, rindo.
—Nada? Poxa, Sol, tudo é digno de nota. Ainda mais o que passa nessa sua linda cabecinha -seu dedo toca minha testa, e rio pelo nariz, me afastando um pouco. Ele é quente como o inferno. Talvez seja o próprio sol, como dizem.
Quero te perguntar isso, mas logo as portas duplas do quintal da Casa aparecem no final do corredor, trazendo para dentro um vento morno e calmo.
—Eu realmente espero que não seja algo bizarro, Helion -eu falo, observando a coleira dourada. Ele ri, levantando meu queixo com o dedo. Isso me faz ter um arrepio involuntário, já que é o que acontece com um corpo normal ao ser tocado por um deus do sol.
Sei que Azriel, logo atrás de mim, está se enrijecendo como uma pedra. Quero me virar e pedir privacidade, mas não tenho tempo, porque Helion olha por sobre meu ombro e sorri de lado.
—Aposto que meu Mestre Espião favorito saberá lidar, não é mesmo Azriel? -a voz dele retumba no corredor vazio à parca luz, e me viro, prendendo o fôlego.
Espero por um segundo que Azriel não apareça e permaneça em sombras, mas eu as noto se soltando de seu corpo como uma casca, fazendo um rosto lindo surgir da escuridão. Só não esperava ver Azriel sorrindo de lado, encarando Helion como um deus também.
—Depende da bizarrice. Estamos falando de monstros? -Azriel arqueia uma sobrancelha, e eu definitivamente estou me arrepiando agora. Desvio o olhar para Helion, que sorri, como se tivesse vencido uma batalha.
—Se você chamá-lo de monstro, é perigoso ele te chutar para longe. Sejamos mais bondosos -o Grão Senhor pega minha mão, apertando meus dedos de leve, enquanto me guia para fora. Azriel, que agora não está sumindo em sombras, passa para o meu lado, as mãos nos bolsos. Uma pessoa normal, se não fosse pelo maxilar trincado. Tenho até mesmo medo dele quebrar os dentes.
—Bem ali -Helion para, me soltando e indo para o meio do jardim. —Meallan!
Viro meu corpo com tudo em sua direção, tropeçando na barra do vestido. Não. Não podia ser.
Azriel segura meu braço, curioso.
—Tá tudo bem? -pergunta em voz baixa, mas eu apenas balancei a cabeça, sem saber responder.
Então surge, de entre uma árvore frutífera, um par de asas negras como a noite. Logo, um focinho de cavalo também negro. Quando todo seu corpo fica exposto para a luz da lua, eu arfo, abrindo a boca, a cobrindo com a mão. Meus olhos queimam com lágrimas, só não sei o significado delas.
—Sol, eu gostaria de te dar seu presente de aniversário um pouco adiantado -Helion se vira pra mim, sorrindo com todos os dentes, e eu sorrio de volto. Eu rio, balançando a cabeça, aponto para Meallan, seu Pégaso raro, que somente ouvi falar uma única vez.
—Não é possível. Você tá falando sério? -eu falo alto, me aproximando dele. Azriel caminha ao meu lado, a testa franzida para Helion. O Grão Senhor sorri, assentindo.
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Corte de Sombras e Mundos
RomanceOBRA INSPIRADA EM ACOTAR DE SARAH J. MASS Numa festa de casamento, a última coisa que você espera é dar de cara com um personagem que não existe na vida real. Quando isso acontece com Sol, no casamento de sua prima, é só o começo de coisas estranha...