Era uma tarde quente de domingo na cidade de Flores Do Amanhã. A rua dos alecrins estava praticamente deserta quando eu e minha família chegamos no carro de mudanças de meu avô. Já era a quarta vez naquele ano em que eu e minha mãe, Letícia, nos mudávamos. "A vida de aluguel é assim, Matheus" ela falava. Palavras que guardei e aceitei em meu coração, o qual já estava começando a se adaptar e adorar conhecer cada pedacinho deste lindo país em busca de emprego digno e moradia.
Naquele mês de abril conheceríamos a famigerada cidade das flores, eleita a mais tranquila de todo o distrito. Eu estava tão ansioso.
Descemos em pleno sol das duas da tarde em frente ao prédio, que viraria nosso mais novo lar. Ele era inteiramente decorado pelos mais lindos e vívidos morangueiros. Sua estrutura era inteiramente pintada na cor "Rosa goiaba" e a síndica, que logo nos recebeu com o mais simpático dos sorrisos no rosto, era uma senhora fofa de cabelos brancos e vestido florido, com um bolso como era de se imaginar. Enquanto tirávamos nossas caixas para fora do caminhão ela nos contou resumidamente sua história de vida.Dona Maria de Fátima havia sido criada em uma fazenda próxima a zona rural de Flor do oriente e durante muito tempo ajudou sua mãe na plantação de morango da família, porém seu sonho de estudar para se tornar uma grande professora fez com que ela fugisse de casa para tentar burlar os preconceitos de seu pai, ainda tão machista. Ao chegar em flores do amanhã se viu desolada e sem emprego tendo como a única forma de sobreviver as receitas de geleia, que sua mãe vendia para a sua vizinha Sra. Cora revender na feira municipal. E assim aquela jovem mulher sonhadora se tornou a maior doceira do país, se aposentando 10 anos antes da gente chegar em seu prédio recém-construído, que mais poderia ser considerado: seu sonho de descanso.
É engraçado não, é? As vezes não realizamos nossos sonhos, mas no caminho deles encontramos outros bem melhores... É vemos que ele era apenas uma porta para se chegar a outra.Ao ver que havia sobrado no caminhão apenas os móveis mais pesados Vovô Barnabé liberou-me para andar de bicicleta por toda a nova cidade. Tradição que ajudava a acalmar minha ansiedade.
Peguei minha bicicleta, ainda com rodinhas (Sim! Nunca aprendi a andar, mas consegui convencer minha mãe a colocar rodas na bicicleta grande) e comecei a explorar toda a linda cidade, que possuía jarros, canteiros e pomares por todo lado.
Minha vibe quebrou totalmente quando a corrente de minha bicicleta saiu bem em frente a uma rua qualquer. Eu mal sabia o que fazer. Quem normalmente me ajudava nessas situações era a mamãe e ela estava mais ou menos a uns 3 quarteirões de distância. Vendo uma situação tão desesperadora um jovem rapaz que trabalhava no quiosque de distribuição de mudas veio até onde eu estava.
Ele possuía cabelos lisos-negros tão lindos que combinavam com seus olhos de mesma cor, sua boca era fina como a de um anjo, sua roupa era simples e seu sorriso fofo fazia com que a aparência de menino normalmente se transformasse imediatamente na do menino mais lindo do mundo. Seu corpo não era malhado, mas algo me chamou a atenção... Ele possuía uma pequena tatuagem do símbolo do infinito duplo em seu pulso e abaixo dela estava escrito a clichê frase de A culpa é das estrelas: "Alguns infinitos são maiores que outros".
-Precisa de ajuda, menino??
E nesse momento minha fala faltou.
-Ue?? Desculpa... Você não fala? -
perguntou novamenteEu sempre amei me utilizar da fantasia de menino calado para ninguém me ver. Normalmente quando você não é visto ninguém poderá te magoar ou praticar bullying com você. A verdade é que acabei me viciando no personagem de menino mudo, mas juro para você que eu não queria usar aquilo naquele momento, mas minha fala faltou de tal modo que até hoje não sei explicar
-Não se preocupe. Eu entendo! Tenho vários amigos mudos.
Olhei nesse instante para seu colar com uma pedra rosa.
-Bonito, não é? Minha mãe é dona de uma loja de objetos místicos... Ela me deu esse colar para atrair meninas. Ela diz que chama amor... Eu não acredito muito, mesmo assim é lindo.
Concordei com a cabeça...-Se você quiser eu posso levar sua bicicleta para o quiosque e coloco a corrente no lugar
Sorrio e ele apoia a bicicleta em seu ombro e atravessa a rua até o seu local de trabalho.
Eu juro que nunca tinha olhado para um menino dessa maneira antes, mas nunca um menino tinha sido tão gentil comigo como ele foi.-Então, mudinho... Meu nome é Bruno - ele se apresentou - E como eu acho que não vou entender seu nome, mesmo que você queira usar as libras, eu vou te dar um, mas é um nome que só eu posso usar, Ein! Como um segredo - ele fala rindo - que tal... Luiz? Ou talvez Lucas ... Já sei... Lucky.
Confirmo com a cabeça a ideia que ele dá e quando menos espero minha bicicleta já estava consertada...- Eu achei tão fofo você ainda usar rodinhas na bicicleta, mas se você quiser, um dia eu te ensino a andar.
Eu sempre tive tanto medo de tirar as rodinhas da minha bicicleta... Fui deixando para amanhã e quando vi já estava com 17 anos e nunca tinha aprendido a passear sem elas.
-Sabe, como você gostou tanto do meu colar eu vou te dar ele. Minha mãe me deu dois desses. Para dar a minha amada. Enfim coisa de mãe coruja. Acho que toda mãe faz isso - ele falou colocando em meu pescoço.
Agradeço o abraçando... Ele possuía um abraço tão quente, tão marcante, tão forte... Seu cheiro era doce e seu hálito fresco que dava para sentir apenas pelo abraço.
Pego minha bicicleta e a levanto para voltar para casa. Mamãe já estaria preocupada comigo essas horas.
-Eii Lucky... Volta para me visitar?
Faço sim com a cabeça e ele sorri. Pelo jeito fiz um amigo. Na verdade, eu não, o Lucky fez.
Chego em casa e dou de cara com mamãe, que olhava o quadro de sua formatura em sociologia, e que agora tomava o lugar na parede rosa da sala de estar- Parece que faz mil anos, né? - perguntou-me rindo
- Sim... Eu estava tão engraçado aquele dia. O Julinho sempre gostou de arrumar minhas roupas, lembra?
- Ele gostava tanto de você... Pena que tivemos que mudar de cidade e eu te peço perdão por aquilo, meu amor - Ela me abraçou - Onde você arranjou esse colar? - Percebeu o novo acessório em meu pescoço
- Um novo amigo
- E como ele se chama?
-Bruno... Que nome bonito, não é?
- Eu fico tão eufórica quando vejo você sorrindo e fazendo amigos, meu amor, mas eu peço por favor que não faça do Bruno um novo Júlio, okay? Não se apegue demais... Eu não quero ver você sofrer, ou, muito menos fazer esse tal de Bruno sofrer por causa da minha vida de "Retirante"... Eu sou egoísta. Eu sei, mas eu não tenho escolha.
-Eu entendo mamãe. Está tudo bem. Eu mal conheço esse garoto. Talvez eu nunca mais veja ele na minha vida... O que tem para Jantar? - falo sentando próximo as caixas que rodeavam todo o apartamento
- Eu comprei comida vegana hoje... Espero que não se importe. Eu queria que ao menos uma vez na vida meu filho comesse a comida que a mãe dele gosta no lugar destas pizzas gordurosas
- Sim, senhora! - Revirei os olhos rindo
Espantei-me ao ouvir o barulho horrível que a campainha soava. Pelo jeito nem tudo no AP estava em forma.
Corri para abrir a porta e meu rosto ficou mais vermelho que pimenta quando do lado de fora Bruno ali estava
- Quem está aí fora, Daniel? - Mamãe saiu do quarto já com o cartão de créditos em sua mão
-Então finalmente descobri seu nome? Olá, senhora. Eu sou Bruno e parece que além de entregador também sou um amigo do seu filho. - Ele riu beijando a mão de mamãe e se apresentando com uma felicidade nos olhos
- Ele estava mesmo falando de você... - Ela respondeu sincera
- Falou? - Disse espantado – Mas ele não fala...
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O menino que me ensinou a amar
RomanceO que fazer quando a sua vida é viajar? o que fazer para criar laços verdadeiros em meio ao caos? Ele chegou de repente, com sua tatuagem de infinito e com frases bregas, e me mudou para sempre... seus olhos encantam e amam de maneira intensa... mei...