Epílogo

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— Ele vai ficar aí por 100 anos? – perguntou Samuel, olhando para a câmara de criogenia e vendo a imagem fosca do nosso irmão pela pequena fresta do vidro. – Quando sair já estaremos mortos. Sabe disso, não é?

— Sim. – tentei parecer forte, mesmo que o sentimento de culpa me consumisse de dentro para fora. – É a punição dele, pelo que foi capaz de fazer.

— Isso vai destruí-lo, Franklin.

— Não... Não vai. 

Olhei para o relógio na parede. 

Faltava pouco agora. Meus músculos estavam doloridos e por não conseguir mais ficar de pé tinha que andar de um lado para o outro com uma cadeira de rodas velha que guardávamos no galpão da criogenia. Havíamos levado dias para encontrar aquilo. 

A área que desbloqueamos da criogenia era pequena, algumas salas continuavam fechadas com risco de contaminação, mas tinha fé de que meu irmão seria capaz de seguir com todos os protocolos para despertar a equipe que o ajudaria a seguir viagem.

Quanto a mim, não tinha mais forças para nada. Meu corpo havia sido consumido pela doença, meus pulmões estavam sempre cheios e a tosse a coriza se tornaram meu maior empecilho no dia a dia com as tasks

Aos poucos, sentia meus órgãos falhando, a doença iria me levar e não via nenhuma solução para o que viria. Dentro de poucas horas os meus 30 dias de infecção acabariam. Provavelmente meu corpo não cederia de uma vez, mas o resultado viria quando as horas passassem, para o bem ou para o mal. Se sobrevivesse àquele dia, significava que a doença aos poucos iria embora e meu estado regrediria para o normal; porém o outro destino seria dor e morte.

Viver ou morrer, nenhuma das opções parecia muito divertida para falar a verdade. Isaac havia insistido antes de o tirarmos da cela para que eu usasse o soro que ele havia feito, implorou para que eu voltasse atrás e o deixasse tentar me salvar, mas fui firme em minha decisão. Não viveria como um fantasma dos erros dele. Foram pessoas dispostas a tudo para sobreviver que causaram o apocalipse. Negacionistas, políticos, influencers e os cegos pelas mentiras que ouviam, cada um deles teve a sua parcela de culpa.

Seria impossível criar um novo mundo em cima de erros como aqueles. Precisávamos fazer diferente, buscar mudanças de verdade e aceitar o que o destino nos reservava.

Samuel era o futuro caso eu morresse. Tive que ensiná-lo como navegar a nave, como despertar as pessoas das câmaras e qual história contar quando precisasse contar aos outros o que aconteceu na nave.

— Terá que me ejetar com o colete ciano. – falei, enquanto ele me colocava na cama e se sentava ao meu lado. A despedida do Isaac ainda doía, mas estávamos mais unidos do que nunca agora. Ambos sabíamos que foi o certo a se fazer. – Não há fotos minhas no sistema, ninguém saberá quem você realmente é.

— Não consigo fazer isso. – ele disse, baixando a cabeça e deixando as lágrimas escorrerem. – Não sou um líder, você é o verdadeiro capitão aqui.

— Ninguém espera que alguém escolhido pela Elizabeth seja um expert em tudo. – falei, rindo. – Te ensinei o suficiente para enganá-los. O importante é que garanta que as pessoas certas sejam acordadas primeiro. São elas que precisam organizar a nova sociedade, criar leis justas, fazer com que esse mundo seja diferente.

A novidade era boa. Estávamos em rota para um novo planeta, uma bola vermelha capaz de habitar vida que batizei de Polus em homenagem a Apollo 11, a primeira nave terrestre a alcançar a lua. Levaria 54 anos, mas chegaríamos lá. Enfim, tínhamos um destino definido.

— Escolha pessoas boas primeiro e depois, quando a colonização já estiver pronta e a sociedade mais firme, acorde os esnobes e egocêntricos escolhidos pela Elizabeth. – afirmei. – Não importa o que aconteça, vou estar contigo em todas as decisões que tomar e em todos os passos que der daqui pra frente. Sei que não fui um bom irmão, mas...

Fui interrompido por um bolo na garganta que fez com que eu tossisse forte. Samuel limpou as lágrimas com a manga da blusa, tirando o colete vermelho do corpo e o colocando na cabeceira da cama antes de pegar um copo d'água para mim.

— Tá melhor? – ele perguntou, apreensivo.

— Sim, obrigado.

Parecia que ele tinha medo de desviar os olhos e eu simplesmente desaparecer. Samuel me olhava o tempo inteiro, registrando a cor dos meus olhos, o formato do meu queixo, meu nariz e covinhas. Entendia isso porque fiz a mesma coisa com a nossa mãe. Antes dela morrer queria guardar comigo cada detalhe. Não importava a doença, conseguia ver além disso e me concentrar nos pequenos detalhes que importavam: como os fios de cabelo branco que cresciam só de um lado do cabelo, o anel de casamento que sambava no seu dedo porque meu pai tinha comprado um número maior — e ela se recusava em trocar — e a cor das unhas sempre vermelhas e vivas.

Pensando nisso, também me deixei olhar para o meu irmão e ver o homem que ele tinha se tornado, a pessoa forte que havia levado muito soco da vida antes de decidir revidar.

Ficamos ali, de mãos dadas, esperando a inevitável chamada do universo.

— Limpe a nave inteira. – falei, mesmo que vagamente me lembrasse de já ter dito aquilo antes. – Passe álcool duas, três, quatro vezes em cada cômodo. Só abra uma câmara quando souber que o vírus morreu aqui. Não pode haver nenhum resquício!

— Sim. – ele começou a soluçar em meio às lágrimas. – Mas por favor, não morra!

Ele não se aguentou após falar aquilo e me abraçou, chorando ainda mais em meus braços e decidindo esquecer toda a mágoa e todo o ressentimento da nossa relação.

— Preciso de você, por favor, não me morre.

Olhei para o teto, tentando segurar a dor e a tristeza.

— Eu te amo, tá bem? – falei, o abraçando o mais forte que podia. – Me desculpa por tudo.

Ele não quis se afastar de mim, ficamos ali durante um longo depois. O ponteiro do relógio batia forte, mas tudo no que conseguia pensar era nele e no Isaac. Por eles fui capaz de tudo o me sentia feliz por ter mantido os dois em segurança.

Ninguém saberia o que o Isaac fez. Ele acordaria em um novo mundo, cercado de possibilidades. Um mundo melhor em que não precisaria mais ter tanto medo de perder quem ama.

Já Samuel, ele lideraria a nave. Seria difícil no início, mas o colete vermelho o ajudaria nessa caminhada, mostrando tudo o que ele é capaz de fazer.

Ambos teriam vidas melhores e só saber disso já me fazia sentir melhor. Meus olhos brilhavam com o futuro bem ali, diante de nós. O ponteiro do relógio continuaria a girar. 

Nos meus braços, Samuel dormiria de tanto chorar e o futuro se mostraria cheio de possibilidades. A vida continuaria. A jornada seria longa, mas uma coisa era certa: dali para frente, essa história seria toda do meu irmão. 


FIM.

Among Us | Gay Fanfic +18Onde histórias criam vida. Descubra agora