Capítulo 20 - Órion

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É tão estranho vir para um barco depois de tantos milênios vivendo no inferno... O mar está muito bonito, mas é diferente da minha época como Rei de Atlântida... Na minha época havia inúmeras construções minhas pelo mar. Era fim de tarde já, estava ao lado de Kaayra, na cabine, quando um grifo apareceu e a irmã adotativa dela começou a lutar com ele. Kaayra sibilou ao meu lado.

Kaayra: eu avisei que não era pra aparecer agora
Órion: mas demos um bom contorno na situação
Kaayra: com mais e mais mentiras... Eu estou farta de mentir.
Órion: você ainda não contou a ninguém a verdade?
Kaayra: há pessoas que sabem, mas são poucas.

Órion: por quê? Todos no local em que você vive devem entender a situação
Kaayra: todos tem fortes preconceitos com a nossa raça, Órion... Ninguém entenderia exatamente e todos teriam o mesmo pensamento de relembrar em partes as guerras etéreas...
Órion: compreensível. É muito bom
Kaayra: o que?
Órion: conhecer minha afilhada, a filha do meu grande amigo

Notei Kaayra corar brevemente, envergonhada de leve com a situação, provavelmente. Eu estava sendo sincero, era muito bom conhecê-la de verdade, já que, ao meu ver, de nada conta conhecer um bebê que mal sabe o que é e a herança que carrega no sangue.

Agora, em pouco tempo, já a conheço o suficiente para saber que, na realidade, ela não quer contar sua verdade a todos para não colocar ninguém em risco. Ela é inteligente demais, deve saber perfeitamente de cada risco que corre e cada risco que pode fazer outros correrem, o caso mais claro é o sequestro desse tal "parasita perturbador de relacionamento pai e filha", de acordo com o que Ablon me contara.

Não queria constrangê-la mais, então observei a irmã adotativa mais a frente, longe do alcance de nossas palavras baixas.

Órion: ela parece estar com um fardo pesado
Kaayra: ah, sim... Ela e a outra irmã adotativa minha
Órion: por quê?
Kaayra: elas são meio-irmãs de um semideus que salvou o mundo duas vezes... Provavelmente sentem o fardo da herança de poder nas costas *dou de ombros* elas esqueceriam esse fardo se soubessem que eu sou a que está sendo mais... Exigida nessa missão

Órion: por que crê nisso?
Kaayra: ano passado... uma deusa me deu uma profecia que não consigo decorar de forma alguma... é levemente perturbador essa profecia, pelo o que eu consigo me recordar vagamente
Órion: acha que ela carrega o destino de algo?
Kaayra: sinto que... Que carrega o destino de todo o nosso universo ou até mesmo de vários outros, eu não sei

Órion: isso te perturba por quê?
Kaayra: eu lembro de uma linha da profecia... uma linha que fala sobre três deusas ou deuses... E parece... Parece que um desses sou eu.
Órion: bom... eu nunca te vi lutar, Kaayra, mas tenho certeza que, se essa profecia se refere a você, é porque todo o universo ou outros confiam plenamente em você.

Ela desviou o olhar do mar a nossa frente para mim, me olhando por um longo tempo. Sinceramente, não sabia o que aquele olhar significava exatamente. Ela voltou o olhar para frente e permaneceu em seu silêncio.

Kaayra: eu não sei... Essa confiança não parece certa
Órion: por que acha isso?
Kaayra: não sei. Sinto que não é certo. Sinto que não sou inteligente o suficiente para isso ou perceptível o suficiente.
Órion: discordo
Kaayra: você não me conhece o suficiente
Órion: mas conheço seus pais e percebo as semelhanças entre vocês.

Ela me olhou de novo, confusa. Sorri de forma calma para ela.

Órion: você é bem inteligente, talvez mais inteligente que seu pai. Você é perceptiva demais, como sua mãe. Eu não falei com você antes de me materializar
Kaayra: eu senti você... uma sensação estranhamente familiar, mesmo... mesmo essa sendo a primeira vez que te vi. Além de sentir seu cheiro...

Órion: conheci você quando nasceu e lá já percebi que você seria a junção perfeita de seu pai e sua mãe. A percepção ágil que você tem é herança de sua mãe, não dos instintos de Querubim. Além da inteligência de estratégias de seu pai, até onde eu sei.

Ela continuou me olhando, mais séria agora. O olhar sério era o de um lince criando estratégia de atacar uma presa, o que quase me fez rir, mas me mantive concentrado.

Órion: esse olhar *indiquei com o queixo o rosto dela* é uma herança de seu pai. O olhar de um lince planejando um ataque. Eu arrisco dizer que você vai sentir onde o seu namoradinho e sua amiga estão... e irá direto atacar. *rio um pouco* chegaria a apostar com seu pai que você perderia seu controle e apenas atacaria

Um lampejo de raiva passou pelos olhos dela, mas Kaayra riu com deboche.

Kaayra: eu sou bem mais controlada que um Querubim normal
Órion: de acordo com o namorado da sua amiga Helena, você tem menos controle que qualquer Querubim. É surpreendente que ainda não saibam da sua existência, mas arrisco que todos do outro lado da membrana sabem da lula que fora pulverizado por você

Ela corou de leve e voltou a encarar o mar. O sol estava se pondo na direção contrário em que estávamos seguindo.

Órion: podem não saber sobre você ainda. Mas quando souberem... Você será motivo de inveja, Anjo do Mar... E será cobiçada
Kaayra: por isso escondo a verdade. Por isso minha aura está sempre escondida mas...
Órion: mas ela e sua alma combatem dia após dia para o controle... Sua aura implorando vinte e quatro horas para ser liberta, para ser mostrada

Ela assentiu calmamente. Ficamos em silêncio por mais um tempo, estava quase na hora de eu passar para o plano etéreo, voltaria apenas no dia seguinte para observar ela e ver se estava tudo bem.

Kaayra: espero que um dia eu possa conhecer melhor você. Digo, quando isso tudo acabar
Órion: *sorri de canto* penso o mesmo. Quero vê-la lutar também, tenho certeza de que é melhor que seu pai
Kaayra: *rio baixo* ainda tenho muito o que aprender, tio Órion

Não consegui conter um riso. Kaayra notou o motivo de meu riso e sibilou um xingamento.

Órion: não se irrite por isso. Entre pessoas como nós, pode me chamar de tio ou de padrinho. Como também pode me chamar apenas de Órion
Kaayra: certo... Antes que eu me esqueça
Órion: o que?

Kaayra: você fede a carniça quando se materializa, mas depois de materializado, cheira a... Jasmins
Órion: seu olfato é bem sensível pelo visto
Kaayra: bastante. Consegui sentir o fedor de carniça a 20 quilômetros daqui, quando você estava se aproximando.

Uma gargalhada me escapou, junto de um riso contido vindo dela. Após um tempo em silêncio, percebi que era hora de ir.

Órion: bom, tenho que ir. Prometo voltar amanhã, Anjo do Mar
Kaayra: *rio baixo* até amanhã então, Tio Carniça

Me desmaterializei rindo e fazendo questão de intensificar o cheiro de putrefação, observei atrás da membrana Kaayra rindo disso. É, Ablon, você criou uma linda filha com um destino complicada. Ela é cara de você e Shamira, mas graças a Afrodite tem a beleza da mãe. Espero que eu tenha dado bom humor o suficiente para ela hoje.

As Sete Pecadoras e o Deus do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora