Hiroshi Tatibama

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Os dedos frios de Hiroshi correram pela pele macia de S/N. Ela sabia que era ele, quem mais seria?

Estavam diante um do outro, encarando-se. Hiroshi era um garoto ruivo de olhos verdes, com sardas espalhadas ao longo de sua bochechas, dando um realce fofo em rosto. Ele sorriu para ela, revelando duas covinhas nos cantos dos lábios.

S/N tentou falar, mas de alguma forma, sua voz era abafada, e nenhum som era transmitido por seus lábios. Hiroshi a encarou com uma admiração clara nos olhos esverdeados, como se estivesse diante do mais belo ser que testemunhou.

— Ninguém teve a sua coragem. Ninguém nunca falou comigo como você. De todos os moradores... Você foi a primeira a olhar diretamente para mim e querer saber mais.

Ela ouviu tudo, em total silêncio, qualquer informação que ele desse poderia ser extremamente útil para encontrar a causa da sua morte.

— Você parou de me ignorar. Sabe... Isso me irritava muito. Você simplesmente fingir que eu não estava ali, mesmo que eu derrubasse as suas coisas e te chamasse pelo seu nome você nunca me atendia. Eu ficava olhando você dormir, andando de um lado pro outro no seu quarto quando você esquecia de pôr o sal na porta ou na janela. Me diga, S/N, o que te fez me dar atenção?

Ela engoliu seco, encarando seus olhos verdes que não desviaram dela um único segundo. Se constrangimento pudesse ser reproduzido através de sons, ela com certeza estaria gritando. S/N nunca odiou tanto o silêncio como naquele momento.

— Curiosidade.

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S/N acordou aos gritos, retirando de cima de si um peso invisível, mas que a sufocava durante o sono. Lançou as pernas para cima repetidamente, chutando o ar, e enroscando as pernas no lençol que usava para se cobrir. Com os braços, ela protegeu o rosto do invisível ser que estava no seu quarto com ela.

Quando finalmente se cansou de se espernear e gritar, ela relaxou na cama, respirando confusa e descompensada em posição de estrela do mar. Os cabelos estavam grudados em seu rosto pelo suor. Aos poucos, o seu estado de pânico sumiu entre os minutos, mas ela permaneceu na cama, paralisada, encarando o teto forrado do quarto.

S/N sentou-se na cama, tirando o cabelo da frente dos olhos, focou em se manter em pé para ir ao banheiro e arrumar o seu estado deplorável. Tomou banho e escovou os dentes, com o rosto do fantasma dr Hiroshi martelando na sua cabeça. O rosto dele parecia familiar até demais para ela, embora nunca o tenha visto no condomínio, pelo menos não nesta forma, onde seu rosto não estava deformado e encharcado de sangue.

Tomou um café da manhã decente, o suficiente para deixar uma pequena louça na pia e depois voltou para o quarto. Sua cabeça ainda girava com as informações a serem processadas.

Mais uma vez, sabendo que era em vão, ela voltou a olhar os casos criminais do bairro, mesmo sabendo que não haveria nada que envolvesse o condomínio. Levando em conta a forma como Hiroshi teria possivelmente morrido, era muito estranho não ter nenhum registro sobre o ocorrido.

Ela vasculhou em sua memória onde teria visto o rosto do Hiroshi, talvez não fosse tão recente como ela havia pensando logo de primeira. Se ela tivesse o visto antes, com certeza foi quando criança.
Mas não fazia muito sentido, S/N não cresceu em Musutafu, não teria como ela ter visto Hiroshi nesse meio tempo, fosse ele vivo ou morto.

E aí, ela resolveu recorrer à tão poderosa e invencível Internet, algo dos jornais de anos atrás. Uma foto, registro de ocorrência ou qualquer coisa do tipo que a ajudaria a relembrar. Depois de muito procurar, ela descobriu e lembrou de onde viu Hiroshi.

"Jovem de 16 anos é morto dentro do próprio apartamento. O garoto foi reconhecido como Hiroshi Tatibama e levou inúmeras facadas no rosto e no estômago."

S/N foi muito mais longe do que apenas isso, ela olhou o endereço e logo reconheceu.

Hiroshi Tatibama foi morto em seu quarto a pouco mais de 9 anos atrás, quando S/N tinha em torno dos 6 anos de idade. Ela lembra de ter visto o rosto dele na TV, o rosto de quando ainda era o jovem vivo e feliz, mas os seus pais a tiraram de frente a Televisão pois diziam que notícias assim não iam fazer bem para a mentalidade de S/N.

Até onde ela descobriu, o caso não foi solucionado e até hoje não descobriram o assassino. S/N se arrepiou, a possibilidade de morar no mesmo condomínio que uma assassino não pego era como caminhar em cima da sua própria cova.

Ela precisava de outro nome, dessa vez o nome do assassino que ela desconhecia, Hiroshi com certeza sabia quem era, afinal era o seu assassino. Não tinha como ele esquecer do rosto que rompeu a sua oportunidade de viver.

— Hiroshi! Está aqui no quarto comigo? - Ela chamou por ele e aguardou por uma resposta. - Vamos! Não me deixe falando sozinha aqui.

A caneta usada no dia anterior para apontar as letras e números moveu-se em cima da escrivaninha e caiu no chão. S/N entendeu o recado, ele queria usar a folha com as letras e números, sabia que S/N queria saber o nome do assassino e enfim justiça-lo.

A-I-M-I   S-A-I-TO

~ Oh... Merda.

Não era engano e muito menos coincidência. Aimi Saito, a atual dona e administradora do condomínio, a mulher que S/N tinha costume de cumprimentar quase todos os dias quando saia, a mulher que alugou o apartamento para S/N e a elogiou pela capacidade de independência.

— Oh... Céus. Eu não acredito nisso.

A senhora Saito morava no apartamento de cima, e frequentemente cantava na varanda com doçura, vivia bem e sorria para todos que recebia no condomínio, fazia pipocas para as crianças vizinhas e cuidou de outras enquanto seus pais estavam no trabalho.

S/N viu o pior dos seres humanos, as pessoas eram sim capazes de seguir com uma vida feliz mesmo depois de tirar a vida de um jovem inocente.

Ela sentiu o café da manhã revirar no estômago, e por pouco não vomitou no carpete. Respirou fundo e lavou o rosto no banheiro. Muitas informações novas logo de manhã cedo, que com certeza a atrapalharia de ter um dia normal e interromperiam seu sono brevemente.

Quando o celular tocou, ela finalmente despertou do seu estado de transe, e Bakugou logo notou por sua voz que havia algo de errado com ela.

— Ei, esquisita. O que aconteceu com você?
— Eu descobri algumas coisas, Bakugou. Coisas essas que eu não sei se deveria mesmo saber ou não e que agora com certeza pode custar o meu pescoço.
— Que merda de conversa é essa?
— É muito melhor eu te contar pessoalmente.
— Ótimo, chego aí em meia hora.
— Não! Eu vou até a sua casa.
— Por que isso do nada?
— Olha... Você vai entender quando eu chegar aí. Mas por favor, Bakugou, não venha ao meu apartamento nos próximos dias.

Comprometer a própria vida era uma coisa, agora, comprometer a de Bakugou por conta de sua curiosidade era outra muito diferente. Aquilo não era sobre ele, não tinha nada a ver com ele, e portanto não ia arriscar que ele tivesse contato com uma assassina que nem ela mesma reconhecia.

Sem esperar por uma resposta por parte do loiro, ela desligou o telefone e trocou de roupa. Pegou o notebook, um caderno de anotações e enfiou em sua bolsa.

Quando saiu, Aimi estava caminhando pelo seu corredor junto de uma das crianças do Condomínio. Aimi sorriu para S/N, mas S/N não a reconhecia mais da mesma forma que antes. Para manter as aparências, S/N sorriu e desejou bom dia.

Aimi não podia notar que S/N estava agindo diferente com ela, poderia ser fatal a ela.

Quase correndo, ela saiu do condomínio.

O que diabos você vê?! (Imagine Bakugou)Onde histórias criam vida. Descubra agora