Suspiros do deserto

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   Ao levantar seu rosto do pó, Serpentary viu seus selvagens companheiros de viajem e recente família, convertida em estátuas de pedra branca. Seus olhos escorriam e seu rosto queimava, era a primeira vez que chorava, sentia como se o seu peito tivesse sido aberto e sua vida fosse levada pelo árido vento do  deserto. Mais que lágrimas comuns, as suas eram feitas de puro veneno, por isso a passagem delas pelo seu rosto causava tamanha dor, lentamente elas escorriam, enquanto deixavam marcas avermelhadas por onde passavam.

   Aquele duro e  doloroso sentimento era algo novo para a serpente humana, sua voz era aos poucos desgastada por seus gritos de desespero. Ela ainda conseguia enxergar em seus familiares petrificados, suas ultimas expressões, como o olhar de piedade de Raciry, a face angustiada de Tiffon, da qual ainda podia escutar seus fortes gritos em sua mente, o olhar desprezível de Paluah, enquanto seu véu sacudia ao vento e  os rostos de espanto e choro das crianças que haviam sido paralisadas agarradas a saia da mãe. 

   Tudo naquele ambiente trazia uma melancólica lembrança, as divertidas brincadeiras da tarde eram gradualmente substituídas pelo recente pânico. Ainda incrédula, ela se levantou e desesperadamente se agarrou as estátuas de May e Nay, se lamentando pelo ocorrido, esperançosa de a qualquer momento pudesse ser acordada de um pesadelo, ou ser abraçada de volta pelos monumentos. Porém, a única sensação que teve foi a de suas lágrimas caindo sobre a pedra e danificando o material.

   — Me... desculpa! Por favor!! Não quero te machucar mais! — dizia em meio as lágrimas que continuavam a cair sobre a pedra criando pequenos furos — Como dói... tudo por minha culpa!! — Se lamuriava enquanto se preocupava em não deixar mais as suas lágrimas caírem sobre sobre suas irmãzinhas — Por favor!! Falem comigo!! Não quero ficar sozinha...de novo!! 

   Horas haviam se passado desde aquele fatídico acontecimento, seu pranto tinha feito com que se cansasse e encontrava-se atirada no chão próxima à Tiffon, o peso da culpa não permitia que ela se levantasse, o brilho da lua iluminava aquela cena que permanecia imóvel ao correr do vento. A fogueira ainda continuava queimando, mas seu brilho já não encantava mais os olhos da moça, e quanto mais a noite avançava, mais fraco se tornava aquele fogo. 

   Três dias haviam passado desde o incidente, e em algum momento, numa madrugada, os soluços de Serpentary já haviam sessado, dando lugar apenas ao triste caminhar de lágrimas silenciosas por seu rosto, não sentia mais as queimaduras, já havia se acostumado com a dor. A manhã chegava naquele quieto ambiente de caos e culpa, os raios do sol iam se espalhando pelo local, esticando as sombras das pedras e das barracas, quando de repente ouviu uma voz rouca:

   — Vai ficar aí até quando?

   Olhou em volta, na esperança de que algum de seus companheiros houvesse recobrado sua humanidade, mas todos permaneciam imóveis.

   — Até quando vai esperar por um milagre? O tempo dos deuses já findou-se.

   Sem entender de onde vinha, continuou a procurá-la.

   — Olhe pra baixo...pra acabar com esse seu sentimento de solidão. — falava a voz com presunção.

   Ao olhar para o chão, viu que o som vinha de sua própria sombra, onde um par de olhos opacos a encarava, enquanto continuava a dizer:

   — Finalmente! — exclamou a voz — Acho de já chega de se lamentar por essas pessoas ingratas.

  Por mais que pudesse ouvir e ver de onde vinha a voz, Serpentary preferiu ignora-la.

   — Quer dizer, os únicos que tiveram culpa foram eles mesmos.— continuava — Que ousadia, atacando um descendente dos deuses. Deveriam se sentir contentes por terem a honra de serem os primeiros a conhecer seu poder.

SerpentaryOnde histórias criam vida. Descubra agora