Capítulo 1

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Débora

Vou contar como uma vida aparentemente feliz e tranquila, pode se transformar numa realidade além do que nos prepara a nossa imaginação.

Terminei mais uma tradução de um manuscrito que estava trabalhando e precisava entregar ainda naquela tarde. Levantei e me alonguei; estava com o corpo rígido de ficar muitas horas sentada trabalhando, quando a minha ajudante doméstica bateu na porta do pequeno escritório que tinha na minha casa.

— Dona Débora! — ela colocou a cabeça para dentro da porta.

— Diga, Míriam? Pode entrar, eu já acabei o trabalho por hoje.

— Tem uma moça aí procurando a senhora!

— Que moça, Míriam? Quem é?

— Hm... não perguntei o nome. Nunca também vi essa moça aqui não, dona Dé. — uma coisa sobre a minha ajudante. Além de jovem, extremamente simples e ingênua, não tinha nenhum conhecimento desses traquejos sociais. E a verdade é que também nunca me preocupei com isso.

— Certo. Sirva alguma coisa para a visita. Peça que aguarde um minuto, eu já estou indo.

Foi só o tempo de desligar o meu computador e guardar o meu trabalho numa pasta e seguir para a sala para saber quem estava me procurando. A princípio fiquei bastante intrigada e curiosa ao olhar aquela mulher exuberante e totalmente desconhecida pra mim. Ela estava de costas, olhando diretamente para um porta-retrato com a foto do meu casamento, que estava sobre um aparador.

— Bom dia... tudo bem? — andei até ficar de frente a ela e fiquei ainda mais curiosa, diante da beleza e sofisticação da moça.

— Senhora Andreus! Que prazer!

O impacto foi atordoante. O olhar, o tom da voz, o pequeno esforço de um sorriso que não chegou aos olhos. Antagonismo. Esse era o sentimento. Ela era mais alta que eu, mesmo eu tendo um metro e sessenta e oito de altura. Cabelos castanhos, longos e lisos. Olhos castanhos escuros. Cor de chocolate. Era um verdadeiro monumento de beleza. Mas, era oca. A frieza do olhar, me deixou assustada, e senti um frio ao longo da minha coluna.

— Quer falar comigo? Quem é você? Acho que me lembraria se já a tivesse visto antes.

— Realmente. Não me conhece. Vamos conversar bastante, senhora Andreus.

Míriam chegou na sala com uma bandeja trazendo um cafezinho, e eu fiz sinal para que a estranha sentasse.

— Obrigada, Míriam! Nos deixe a sós, por favor! E então? O que deseja falar comigo?

— Sim... café delicioso. — eu nada respondi e me mantive de pé, encarando a desconhecida.

— Talvez seja melhor sentar também, senhora Andreus, pois nossa conversa será longa...

Minha vida era comum, como de muitas pessoas. Sem grandes acontecimentos ou emoções. Até aquele dia. Até aquela visita.

Estava casada com Júlio: formado em engenharia mecânica e gerente de uma grande montadora de automóveis. Um homem bonito, alto, forte, de cabelos curtos e pretos, igual os grandes olhos negros belíssimos. Casamos três anos antes, depois de um namoro rápido de apenas um ano.

Meu marido comprou uma linda casa com muitos quartos e fez questão de convidar o meu irmão Márcio e a minha prima Bianca para morar com a gente. Eu e meu irmão erámos órfãos, desde que eu tinha cinco e ele três anos de idade. Bianca era filha de um irmão da minha mãe, que também já havia morrido.

Eu, claro, era muito apaixonada pelo meu marido. Além de muito bonito, Júlio era um homem de personalidade forte, marcante. Muito competente, nos garantia conforto, até um certo luxo e comodidade. Não gostava que eu trabalhasse fora e por isso concordou em transformar um cômodo da casa num escritório para que eu pudesse fazer um home office e continuar fazendo o que eu amava: traduções de textos para livros e filmes.

Naquele dia a minha prima Bianca: uma jovem linda, dois anos apenas mais velha que eu, vinte e seis anos, voltou para o almoço em casa e estava bastante aborrecida. Noiva há mais de dois anos de Antônio, Ton, como gostava de ser chamado, que não aparecia em nossa casa há dois dias.

— Oi, Bia. Eu já vou colocar o almoço. Pode chamar a dona Dé? Ela está no quarto dela. — apenas eu era chamada de "dona" porque o meu marido fazia questão, e ele mesmo alertou a Míriam. O que eu achava bobagem e ele não aceitava diferente.

— O Márcio também já chegou?

— Ainda não. Mas como ele nunca chega na hora, vou servir para você e sirvo a ele quando chegar.

— Espera só um pouco, Míriam. Vou tomar um banho rápido e passo no quarto da Dé para chamá-la.

Quando chega ao meu quarto, a primeira coisa que minha prima percebe sou eu caída ao lado da cama. Desmaiada.

— Débora!? Meu Deus! Míriam! Míriam!

— Bi.. ai meu Deus! O que aconteceu a dona Dé?!

— Me ajude aqui, Míriam! vamos colocá-la na cama.

— Será que podemos mexer na dona Dé, assim, Bia? — ela olha para Bia que hesita por segundos e depois resolve que devem me colocar na cama. O que não é uma tarefa fácil, já que sou uma mulher grande.

Em seguida, em meio ao desespero, Bia liga para meu irmão, pedindo que venha com urgência para casa e em seguida para a tia Yô. Yolanda era na verdade tia do meu marido e nos acostumamos a chamá-la também de tia por ter sido, desde o primeiro momento que nos conheceu, um ser de luz em nossas vidas. Nos abraçou como se fosse realmente a nossa mãe. Mesmo já sendo nós adultos.


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