De manhã despertamos, e no espelho nos encaramos. Uma figura estranha com um olhar profundo e vazio de volta nos olha. Por fora nos julga, parece que de nós ri, ao mais baixo nível nos tentando rebaixar, nossa existência a insignificante reduzindo. No entanto por dentro, em meio a perdido limbo, palavras de suplico vemos que por salvação clama, mas pelas trevas são caladas, e assim naquele poço de negatividade ocultadas. Um ódio inexplicável que a pouco e pouco ganha seu destaque, um poder sombrio crescente, destruindo tudo em que toca, tudo o que de puro que existe arrasando. Essa mesma figura distorcida não sabe qual o seu propósito de existir. Pede por destruição? Ou somente uma clara ausência de amor-próprio? Única certeza que desta podemos retirar, é seu arrepiante súplico neutro por ajuda. Um grito silencioso que das correntes obscuras se tenta libertar. Esta figura não quer o nosso bem, mas também não quer o nosso mal. De difícil compreensão mas de um estranho e fácil vínculo, será por nosso oposto ser? Será isso que nos atraí? Ou será apenas o facto que desde o nosso nascimento, com ela convivemos, e lentamente nos habituamos. Quase nada dela sabemos, apenas entendemos que livre deseja ser, suas profundas tentações realizar, em paz com nós coexistir.
No final tudo se resume a um corpo desconhecido que ali se reflecte, que em nossa visão se prende, um padrão tentando criar, mas de um estranho para nosso coração sempre permanecendo. Padrões que com o tempo mudam, padrões que com o vento voam, mas insistentemente, numa batalha inconsciente, atrás deles sempre corremos, pelo fingido ideal de "certo" lutamos . Distante da presente realidade, amarrado a ilusões de um futuro utópico que de nada certo possui. Num limbo de pensamentos baços vamos decaindo, nas vozes desconhecidas tentamos acreditar, mas por alguma razão algo bem no fundo daquele espaço vazio, por nós continua a chamar. O corpo que usamos, não é um corpo que nos represente, não são feições que revelem a realidade, com uma máscara fixa se parece, impossível de ser removida, mas óbvia de sua autêntica falsidade. As curvas que nos definem, que nossa suposta "autenticidade" reflectem, na verdade são curvas que expressam uma dor desconhecida. Por que ela sentimos? O que ela significa? Questões que ignoramos desde cedo, elas não exploramos, pelo raso nos mantemos, o fundo não estudamos, em crianças, com tudo concordamos. Ainda assim sabemos que dela não nos podemos desfazer, mas ela facilmente podemos mudar, através dela nossa verdadeira identidade ao mundo mostrar, de várias maneiras o fazer, umas acertadas, outras não tanto. Errado e certo não sabemos, muitas vezes em erro caímos, e ao errado nos prendemos, na esperança de alguma coisa mudar, profundos golpes fazendo, nossa pele marcando, em desespero tudo de uma vez só tentando mudar. Mas, será que essas mudanças o mundo aceita? Será que essa liberdade de expressão nos é atribuída?
Não vale a pena em ilusões nos tentarmos afogar, por uma melhor realidade buscar. Nem sempre aquilo que desejamos e que por tanto lutamos, acabamos por encontrar, sem um guia neste imenso oceano nos perdemos, de fantasia nos rodeamos, tentado de algum modo escapar do incerto que desconhecemos. Algures por aí, em alguma rara casa que em milhões se perde, essa realidade, de ilusões sim deve passar, de verdade essa realidade realmente se realiza. Difícil nisso acreditar, quando numa sociedade de discriminação, ódio e preconceito somos criados, em meio rancor e arrependimentos, calados crescemos. Logo desde cedo nossa mente de nosso coração separamos. Logo desde o início a existência do corpo se rompe, logo desde início seu fosco significado vai desvanecendo. Em fragmentos esses sonhos quebram, assim com a vida lidamos, assim ela para todo o lado levamos. Ausentes do amor-próprio, ausentes de reconhecimento e carinho próprio, aos modelos da sociedade nos moldamos, à força nelas tentamos nos encaixar. Quando esta ousamos criticar, arduamente questionar, contra a forte corrente tentamos remar, o mundo e os porquês tentar entender. Uma ousadia que a muitos pode até mesmo custar a própria vida. Desproporcionadas consequências surgem perante simples questões e passivas lutas em busca da serena liberdade com o avançar da contradição fortemente se revelam. Por vezes nos perdemos, por vezes não nos controlamos. Por que pacíficos temos que ser, quando o mundo somente com violência nos reponde? Essa é a verdadeira razão da qual poucos buscam e longe vão em sua jornada em busca de respostas, pois poucos capazes são dessa violência escapar, poucos coragem têm e ao seu lado os seus lhe motivam em tal investir.
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Fora do Padrão
Short StoryA essência do que somos. As injustiças que vivemos. Constantes ondas de dúvidas nos arrasam, no mundo da perdição lentamente nos afundamos. Achamos que estamos sozinhos, que somos os únicos "Fora do Padrão", mas um paraíso oculto para todos nós exis...