Eu só quero dormir direito essa noite

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  -Acabou, Henry. Eu e você não temos mais nada.
  -Eu já saquei, esse e o problema. Você vai voltar pra sua família, vai retornar pra sua cidade no interior, vai terminar sua faculdade a distância, vai progredir. E enquanto a mim? Eu não tenho tudo isso. Eu não tenho ninguém.

  Márcia estava com lágrimas nos olhos, ela sentia culpa por quebrar o coração de Henry, mas decisões certas tendem a ser dolorosas e ela sabia disso.
Henry ainda queria continuar, mesmo sabendo que isso faria mal aos dois, ele nunca se sentiu de fato redimido pelo incidente de seis meses atrás. Um simples "eu te perdoo" não basta, não quando você precisa perdoar a si mesmo.
  Márcia pediu a conta pagou a parte dela e saiu, um "tchau" não era apropriado, qualquer senso de despedida era uma agulhada pra ela, uma confirmação de que não haveria volta, mesmo que essa fosse a verdade e ela aceitasse isso.
  Henry permaneceu ali, ainda sóbrio, e esse era o problema que ele queria resolver, definitivamente não era uma "noite sóbria".
  Henry se dirigiu ao balcão do barman, o mesmo fazia várias manobras com as garrafas, como se elas fossem plumas na brisa, Henry não perdeu tempo e pediu uma vodka. "Põe na conta" dizia ele, Henry era cliente regular nesse bar e sempre pagava o que devia, a maior inconveniência que ele já causou foi ter que ser levado para um táxi de arrasto por estar muito fora de si.
  Depois de virar o copo, ele começou a rir, não por euforia da bebida, era um riso seco, sem ânimo porém muito sincero:
  -Qual a graça, grande?
  -Eu me lembrei de uma coisa engraçada, só isso.
  -Vodka cura tua amnésia?
  -Nao, mas sentimentalismo cura.
  -hm... Você nunca foi do tipo carinhoso, mas nunca imaginei que ela iria deixar você.
  - Não foi ela quem me deixou.
  -Voce expulsou ela?
  -Eu expulsei a mim mesmo da vida dela, da vida de todo mundo. Eu achei que seria uma boa ideia na época.
  - Do que você tá falando?
  - Quando eu era mais novo, eu queria largar tudo e fugir. Então eu fiz isso.
  -Voce fugiu de casa?
  -Nao eu me mudei, levei comigo minhas coisas e o dinheiro que eu tinha, moro de aluguel no mesmo apê faz quatro anos. Meus pais me visitam nós natais, e eu os visito no inverno quando tem menos turistas na praia.
  -Então você tem alguém pra quem voltar.
  -Não e assim que funciona, e quem tem que voltar pra alguém e você, tem cliente querido mais uma dose,  vê uma pra ele e uma pra mim também.
  Depois do barman servir os dois, o homem de touca e barba comprida vestindo moletom fez um sinal de "saúde" com o copo e tomou sua dose, Henry retribuiu o gesto, e perguntou ao barman:
  -Eu venho aqui quase toda semana e não lembro seu nome, qual é mesmo?
  -Pedro, tente ter mais consideração, eu me lembro do seu aniversário até. Grande amigo você ein.
  -Desculpa Pedro, e que eu tenho pensado no homem horrível que eu sou.
  -Todos os homens tem algo de ruim dentro deles, não se sinta especial.
  -Vou me lembrar disso. Mais uma
  Pedro serviu, e se retirou pra atender um cliente, acenando educadamente pra se retirar, o homem que tomou uma vodka na conta de Henry se levantou e saiu do bar, dando um tapa de agradecimento no ombro de Henry.
  As horas se passaram e as mágoas continuavam lá, Henry estava num sofá no salão, um pouco mais afastado, agora com um coquetel de rum e coca.
  Uma mulher entra no bar, sem chamar muita atenção, nada de maquiagem, usando um boné, cabelo sem pentear e sem pintura, um castanho tão comum quanto se pode imaginar, repleto de cachos correndo pelos ombros da moça, ela se sentou ao balcão e pediu uma cerveja e uma porção de amendoim.
  Henry se sentiu hipnotizado pela moça, uma química pode ser um termo apropriado, um ímpeto de conversar com a mulher surgiu, e o álcool já havia sumido com qualquer inibição:
  -Boa noite, moça. Posso perguntar seu nome?
  A mulher que virava um copo de cerveja de uma vez só, como se fosse água de oasis depois de uma peregrinação do Saara, respondeu:
  -Eu tive um dia bem ruim hoje, não quero ser chata, mas eu não estou no clima.
  -Eu sei, por isso me interessei.
  -Voce  ou e um abusador, um fetichista ou só está muito bêbado mesmo.
Ela se virou, seus olhos eram cor de avelã e estavam avermelhados de lágrimas. Sua expressão ficou mais dócil e ela prosseguiu com seu raciocínio:
  -Espero que seja a terceira coisas porque eu odiaria ficar bêbada sozinha hoje.
  Henry sorriu e sentou ao lado dela, Pedro veio atender, apenas com gestos Henry pediu mais uma garrafa e um copo extra:
  -Rebeca.
  -Muito prazer Rebeca, me chamo Henry.
  - O prazer e todo meu.
A cerveja veio, e com isso um brinde. Os dois foram pra uma mesa vaga.

As horas passaram, os dois falando sobre a vida, trabalho e sonhos, eventualmente chegando ao momento daquela tarde, onde tudo havia terminado:

  -Espera, então ela vai voltar pra casa dos pais e você vai ficar aqui sozinho?
  -Pra ser sincero ela já deve ter chegado lá, isso aconteceu hoje a tarde e eu não sai do bar desde então.
Henry olhou para o relógio na parede e percebeu que já eram quase duas da manhã.
-Isso e tão triste, bem eu imagino como você se sente.
-Pois é, relacionamentos são difíceis, mas a culpa e minha.
-por que você acha isso.
- eu fui um mal namorado, era agressivo e ignorante.
   -E por isso ela te abandonou?
  -Sim, mas foi porque eu me tornei ausente, eu a abandonei primeiro, quando deixei de ser um bom namorado.
  -não acho que seria certo falar disso, mas estaria mentindo se dissesse que baseado no que  você me disse eu não teria ido embora também.
  -E eu estaria aqui nesse bar novamente, num ciclo de culpa e remorso sem fim.
  -Bem, você parece ter aprendido sua lição então, por hora, não vou sair daqui e deixar você.
  Henry sorriu:
  -Vamos pra um outro lugar?
  -Quer ir pra minha casa?
  -Claro, eu ia sugerir algo parecido mesmo.
  -Faz sentido o bar vai fechar logo.
Os dois concordaram e logo foram ara o carro de Rebeca, um carro popular de segunda mão, muito bem conservado, a madrugada era fria e escura, o som do rádio tocava músicas suaves e agradáveis, das que nos fazem dormir em longas viagens.
A casa de Rebeca era a uns 10 minutos de carro do bar de onde eles saíram, lá era uma casinha bem modesta e conservada, de tijolos ainda não totalmente rebocados, quintal pequeno e uma varandinha aconchegante.
  Lá dentro tudo era bem como se espera, mesa com só dias cadeiras uma cozinha e sala emendadas, dois quartos e um banheiro:
  - que lugar agradável.
Disse Henry pra tentar disfarçar o clima estranho (mas convidativo) no ar.
  -bem, ele não vai durar muito, mas quero aproveitar meu último dia aqui em boa companhia.
  -espera, como assim?
  -Eu não te contei não é? Minha família se envolveu com gente que não devia, a casa vai ser tomada de mim e leiloada. Eu te daria mais detalhes mas mesmo eu não sei bem.
  -Puta merda...
  -Concordo...
  -E eu pensando que você estava triste por ter passado por um término chato como eu, tudo que eu disse no bar me parece tão tosco agora.
-Não foi, eu precisava ouvir alguém, e precisava ser ouvida. Isso e muito mais do que muitos já fizeram por mim. Obrigada.
  -Eu quem agradeço.
Os dois sentaram, pegaram um vinho e beberam, cantaram e dançaram. As horas passaram e a lua estava pra se pôr.
  -hey, sabe eu quero ver o sol nascer. Vem comigo?
Dos Rebeca claramente podre de bêbada, Henry confirmou com um "sim" no meio de um soluço, os dos foram a pé ate um campinho no alto se um morrinho e lá ficaram esperando o sol nascer, Henry suspirou e sorridente confirmou:
  -Bem, mais um dia...
  -um ótimo dia, eu diria
  -Bem, eu não sei como vai ser daqui pra frente, mas eu te desejo boa sorte.
  Henry foi embora, sem olhar pra trás, abandonando o "Henry" que aquela moça chamada Rebeca conheceu, agora uma memória pra ela. Ele pegou um táxi numa esquina, e foi de volta ao bar conde seu carro o aguardava, dirigindo pra casa ele se indagou:
  -fiquei quase dois dias sem descansar, eu só espero poder dormir direito está noite.

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