Capítulo 2

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A primeira providência da tia Yô, mesmo antes de sair de casa — que era no mesmo condomínio que a nossa — foi ligar para um médico que foi aluno do marido dela, e se tornou um amigo, depois que ficou viúva.

Doutor Luciano chegou rápido e eu ainda permanecia desmaiada. Após me examinar minuciosamente, o médico chegou à conclusão que deveria me levar ao hospital e chamou uma ambulância do hospital em que trabalhava.

— O que houve com a minha irmã, doutor? Por que tem que levá-la para o hospital? O que está acontecendo? — meu irmão era um amor de garoto. Mas, tinha o chamado temperamento esquentadinho. Me perguntava as vezes como o meu marido aturava as aprontadas dele.

— Calma, Márcio! Doutor Luciano, o que houve com a Débora? Eu a encontrei desmaiada a mais de 40 minutos. E não sabemos quanto tempo ela já podia estar caída no chão do quarto.

— Bem, infelizmente ainda não tenho um diagnóstico preciso para dar a vocês. No hospital iremos fazer exames mais específicos para saber. Por hora o meu prognóstico: é que certamente a jovem sofreu um trauma emocional muito intenso, e que está num estado de choque paralisante.

— Um trauma?! Que trauma? Como assim? Minha irmã é a pessoa mais calma e centrada que eu conheço. E hoje pela manhã quando tomamos o café da manhã juntos, ela estava perfeitamente normal.

— Míriam...! sabe dizer se a Dé teve algum aborrecimento hoje, com o trabalho?... ou com o Júlio? — Bia estava igualmente alarmada quanto o Márcio.

— Não sei dizer. A dona Dé estava muito bem quando eu fui chamá-la para atender a visita que veio falar com ela, e...

— Visita?! Que visita, Míriam? você não falou nada que a minha prima tenha recebido visita?

— Esqueci, Bia...

— Fale logo então! Como pode esquecer de uma coisa tão importante?

— Márcio! Comporte-se! Não percebe que a moça está assustada? Fica calma e nos conta sobre essa visita que a Débora recebeu, Míriam! — a tia Yô era, sem dúvidas, o equilíbrio da nossa família. Sempre muito sábia e muito tranquila.

— E-era uma moça... muito bonita, elegante. Ela chegou e pediu para falar com a "senhora Andreus". Eu fui chamar a dona Dé, e depois fui a cozinha buscar um café para servir a visita. Quando trouxe o café, a dona Dé já estava atendendo-a, e pediu para eu deixá-las, sozinhas. Conversaram um tempo e depois a dona Dé me chamou dizendo que estava indo para o quarto dela.

— Só isso, Míriam? sabe o nome dessa moça?

— Não... — a pobre coitada responde insegura, olhando para o meu irmão, que está claramente irritado.

— Doutor Luciano! Já transportamos a paciente para a ambulância.

— Certo. Obrigado. Bem, qual de vocês nos acompanha para dar entrada da paciente no hospital?

— Eu vou!

— Não, Márcio. Preciso que você fique aqui e avise o Júlio. Eu vou ao hospital.

— Vou com você, Bia. De lá eu ligo para informar a minha irmã sobre o que está acontecendo. – tia Yolanda se referia a irmã dela Fernanda, mãe de Júlio.

— Não vejo necessidade de falar nada para essa senhora esnobe e nojenta que nos trata como "escravos" antes da abolição.

— Márcio!? – Bia se assusta ante a explosão de meu irmão.

— Eu entendo todo esse seu descontrole, meu amor. Afinal, nunca antes vimos a nossa Débora assim tão vulnerável. E sei que ela é tudo que você mais ama e respeita no mundo. Mas, querendo ou não, a Fernanda é mãe do Júlio e sogra da Débora. E ela goste ou não, o filho ama a sua irmã e certamente ia querer que a avisássemos.

— Desculpe, tia Yô. Sei que estou sendo mal-educado. É que não suporto ver o desprezo com que a dona Fernanda Andreus nos trata por sermos negros. Ela nunca vai se conformar com a escolha do filho dela.

— Problema dela, Márcio! O que temos a fazer agora é tentar encontrar o Júlio e informar a ele o que está acontecendo.

— Esse Júlio é o seu sobrinho, Yolanda? Onde ele está no momento?

— É ele mesmo, Luciano. Meu sobrinho está viajando a trabalho. Ele e a Débora são casados há mais de três anos e ele é muito apaixonado por ela.

— Certo. Podemos ir? — o médico se dirige a minha prima e anda para a porta sendo seguido de perto por ela.

— Vou para o hospital assim que conseguir falar com o Júlio, Bi.

Bianca acena para o meu irmão e segue rápido o médico que já está saindo. Diante da ambulância tia Yô avisa que vai em casa pegar o próprio carro e seguir para o hospital.

— Para que hospital estamos indo, doutor?

— Para o hospital em que trabalho. Sou médico chefe da ala neurológica, e lá teremos como fazer exames mais detalhados.

— É neurologista, então?

— Sim... — ele fica reticente e Bianca o olha.

— O que foi? Acha que é grave o que está acontecendo com a minha prima?

— Acredito que não. Ela só está em choque. Seus batimentos cardíacos e pressão arterial estão funcionando bem.

— E por que ela não acorda? Tanto tempo assim!

— O organismo de sua prima está apenas se protegendo. Penso que o trauma emocional que sofreu foi muito forte e o cérebro entra em repouso evitando que aconteça um dano maior. Algumas pessoas são muito suscetíveis a grandes emoções. Esse com certeza é o caso da sua prima.

— O que terá acontecido com a Dé, meu Deus? Quem terá sido essa mulher que esteve lá em nossa casa falando com ela? — Bia se dá conta que está falando sozinha e vira para olhar para o médico.

— Posso chamá-la apenas de Bianca? É ainda tão jovem. Tão mais que eu... — ele olha para Bianca ternamente. Demonstra se importar com o sofrimento dela. Bia concorda com um gesto de cabeça. — Eu preciso te entregar uma coisa... vejo que você é a única no momento com capacidade de manter a calma. — o médico coloca a mão no bolso da calça de brim marrom que está usando e tira um papel entregando a Bia.

— O que é isso? Que papel é esse? — ela pega o papel e olha pra ele.

— Este papel estava amassado na mão de sua prima. Vocês não perceberam, e quando fui examiná-la abrindo suas mãos eu encontrei. Desculpe a indiscrição, mas acabei lendo. Depois, diante do descontrole do seu primo, eu achei melhor entregar a você.

— É um bilhete. — Bianca abre o papel e lê. Fica pálida e muito assustada. O médico toma sua mão nas dele e aperta.

— Isso...! Isso é... Meu Deus! Eu não entendo.

— Imaginei que também não soubesse nada sobre isso. Penso que por hora, o melhor é aguardar a sua prima acordar e então poderão resolver seja lá o que tudo isso signifique.

— Doutor Luciano, por favor, não comente sobre esse bilhete com o meu primo e nem com a tia Yô. Estou muito assustada.

— Não se preocupe, Bianca. E quero que saiba... contrariando o que manda o bom senso e, não sei por que inferno, eu vou estar a seu lado para o que precisar.


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