Ravena ainda estava torcendo a barra da saia quando alcançou a vila, alguns fios de cabelo castanho molhado cobrindo a testa. Queria estar um pouco mais seca para o almoço, mas aquele sol frio e patético não iria ajudá-la.
Atravessou a vila um tanto apressada, acenou um ou outro "bom dia" e "como vai" aqui e ali para alguns moradores sem se demorar em conversas, e antes que o sol matutino escalasse as verdes colinas, estava de volta em casa. Encontrou sua mãe e irmão sentados à mesa, este último com a cara mais fechada do que a primeira.
–– Atrasada –– disse Tristan com um quê de censura na voz. –– Papai já está no cais, saiu faz meia hora.
A moça se virou na intenção de sair pela porta pela qual acabava de entrar, mas sua mãe a interpelou, de cenho franzido.
–– Por que está toda encharcada? Nem foi pescar ainda.
–– Mas é óbvio, mãe –– Tristan respondeu por ela, impaciente. –– Ela estava brincando com seu amiguinho lobisomem.
Os olhos verdes do rapaz eram penetrantes ao encarar a irmã, os lábios finos tremiam ligeiramente ao tentar sustentar um sorriso irônico, que mais queria ceder lugar a uma carranca aborrecida.
–– Fale baixo, Tristan!
Ravena ralhou com ele, arregalando os olhos claros, alarmada. Aquela vila de pescadores era pequena demais, se algum curioso estivesse perto o suficiente para escutar, a população inteira seria alertada e logo teriam um pelotão de homens caçando Castiel na floresta.
É claro que ele estava com a vantagem, com o tamanho que tinha, rapidez e força... Mas até que ponto aquilo superava a vantagem numérica? Ela não sabia e nem queria descobrir.
–– Não me importo se descobrirem sobre ele –– Tristan respondeu quase que entredentes, tentando manter a calma. –– Por mim pode acabar na parede de algum caçador.
Ravena segurou um desaforo preso na garganta enquanto cerrava os punhos, mas foi sua mãe quem falou.
–– Tristan, não seja tão mesquinho. Sua irmã conhece esse lobisomem desde que era criança, e até hoje ele nunca a atacou.
Marlena segurou com as duas mãos a xícara de chá à frente dela e sorveu, esperando que conseguisse levar o filho a ver as coisas de forma racional. O garoto era muito explosivo, sempre deixava as emoções falarem mais alto. Principalmente, aquelas ligadas ao preconceito e à desconfiança, que ele julgava fazerem parte de sua infalível intuição.
–– É só uma questão de tempo! –– o jovem bateu com as duas mãos no tampo da mesa, encarando sua mãe incisivamente. Então abaixou o tom de voz e fixou o olhar na superfície lisa de madeira. –– Não confio naquele monstro.
–– Nem todos os monstros são maus, meu filho. –– A mãe disse num tom sábio e paciente, enquanto se levantava da mesa para dispor a xícara vazia. Sua raça estava acostumada a domesticar monstros e feras selvagens, não era de se admirar que fosse de tal opinião.
–– Castiel não é um monstro –– Ravena declarou, sentida. Seu olhar, que estava baixo e angustiado, fixou-se no irmão mais velho. –– E é mais amável do que alguns homens que conheço.
Com essas palavras de mágoa, a moça deixou a pequena cabana onde moravam e pôs-se em marcha acelerada para o cais à beira mar. Queria esquecer aquela conversa. Aquela discussão era tão repetitiva, cansativa. Queria tirar Tristan de sua mente, e queria tirar Castiel de lá também.
Não aguentava mais toda aquela história de lobisomem. Porque não poderia ser seu amigo e apenas isso?
Era uma manhã nebulosa de inverno. As árvores desfolhadas davam à floresta um aspecto sombrio e hostil, mas nada podia ser menos hostil do que o ato solidário de uma garotinha, que estava no lugar certo e na hora certa, por ação do destino.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Guerra dos Sirenes (Suspensa)
FantasyUma das únicas sereias vivas após a caçada sanguinária que perseguiu sua espécie, Ravena passou os últimos dezoito anos da sua vida entre os humanos, adotada por uma família de pescadores. Apesar da relativa paz que o seu isolamento proporcionou, os...