Egoísta

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Um vaso voou, por pouco não acertando Pedro II. Ele se esquivou de outro vaso, ou talvez fosse uma jarra, mas Januária estava determinada a o acertar de qualquer forma possível e logo os talheres da mesa estavam sendo arremessados na direção do Imperador com uma força surpreendente. A Condessa de Áquila se virou com fúria, seu alvo se tornando a preceptora da princesas, que foi atingida na testa por um cálice de vinho, seu rosto se contorcendo em raiva. Ao ver que a amante de seu irmão iria levantar, Januária se aproximou dela com uma postura ainda mais agressiva, a desafiando a fazer qualquer movimento que fosse.

- Se levante dessa cadeira para tentar alguma coisa contra mim, Condessa, e eu faço parar em todos os jornais a notícia de que além de amante de homem casado, a senhora também é uma grande ignorante que não sabe seu devido lugar. - Januária falou cada palavra com uma calma forçada, seus olhos duros e frios fixos na mulher que mais parecia uma versão aprimorada e insolente de Domitila - Aqui na Quinta, você não tem autoridade alguma. A senhora, até onde eu sei, não foi quem casou com meu irmão e portanto, não é a Imperatriz de meu país e não deveria estar presente em conversas familiares entre duas pessoas com o título infinitamente maior que o seu, já que eu ainda respondo por Alteza. Peço que se retire, ou talvez receba algum outro objeto em seu rosto.

Januária nunca pensou que teria tanta vontade de empurrar uma pessoa das escadas, mas a Domitila II lhe provou que tudo era possível quando se levantou daquela forma, com tamanha insolência e com a cara tão petulante, que ela teve certeza de que as escadas ainda seriam uma solução piedosa, pois se fossem lhe pedir uma opinião sincera sobre o assunto, a mulher diria que nem mesmo a guilhotina era suficiente para seu irmão e a amante. Deus, bondoso e paciente como era, perdoava a tudo e a todos, então a Condessa de Áquila decidiu que deixaria essa tarefa extremamente difícil com ele. E enquanto ele perdoava Pedro II no céu, ela faria da vida dele um inferno na Terra. Talvez ela nem precisasse pedir perdão na igreja depois, já que suas ações provavelmente seriam vistas como um bem para a humanidade. Esperando a figura da outra mulher sumir de sua vista, Januária se voltou para o irmão, apontando o dedo em seu rosto.

- Se nossa mãe te visse agora, ela morreria de desgosto e tristeza novamente!

- Januária... - ele foi interrompido por outro objeto sendo arremessado em sua direção, dessa vez um prato lhe acertou no ombro com toda a força e Pedro foi para trás com o impacto - Januária!

- Cale-se! Dessa vez quem vai falar as verdades na sua cara sou eu! Vou falar tudo que te pouparam durante sua vida preciosa, pois o seu egoísmo chegou em um nível surpreendente! - ela respirou fundo e fechou os olhos, seu corpo tremendo com as emoções que estavam presas em seu peito - Você sempre me disse que não queria ser igual ao nosso pai, que não era e nem seria como ele. Antes isso era um motivo de alegria, mas hoje é de infelicidade, visto que você conseguiu se tornar um homem ainda pior.

- Eu não sou como ele!

- Eu mandei você fechar a boca! - a Condessa de Áquila fechou os punhos e os olhos, sentindo que seu coração estava acelerando rápido demais - Nosso pai podia ter mais amantes do que você, mas nenhuma delas tinha sequer o direito de olhar para a Imperatriz, muito menos de tentar ocupar seu lugar como mãe e como governante. Nem isso posso falar de você, já que colocou essa mulher para dentro de sua casa, em convívio com suas filhas, com sua esposa! Está dando liberdades a ela que só condizem com a posição de Teresa! Essa sua aventura não é a Imperatriz do Brasil! Não foi ela que abandonou sua pátria para se casar com você, não foi ela que carregou seus filhos no ventre e não foi ela que esteve ao seu lado durante todas as dificuldades!

- Eu não escolhi isso!

- Não escolheu o que, infeliz?! O que a vossa Majestade não escolheu?! Até onde me lembro, Teresa quis voltar a Nápoles depois de ser rejeitada por meses! Foi você que escolheu mantê-la aqui! Foi você que recusou a oferta! Você a escolheu, SIM! - suspirando, ela apertou a ponta do nariz em um gesto de raiva e se jogou na cadeira - Deus, como pode um homem ser tão patético! Se tem uma pessoa que foi enganada nessa história, essa pessoa é Teresa! Foi ela que saiu de um lugar extremamente desenvolvido para vir para cá, ela que foi obrigada a abandonar uma vida cheia de oportunidades incríveis para se casar com um homem que prometeu que seria diferente do pai! Acha mesmo que você foi a única pessoa que perdeu coisas? Que perdeu pessoas e que teve de amadurecer rápido? Não lembra da história de sua própria esposa?!

- Eu não escolhi amar Luísa, Januária! - Pedro gritou, mas a mulher não se intimidou e pegou o último copo que restava na mesa e o jogou no rosto do irmão, acertando sua boca. - Eu não escolhi me apaixonar!

- Você acha que o que tem com essa mulher é amor?! Amor era o que você tinha com a sua esposa! Amor não está em carne, não é desejo ou paixão! O amor é construído a cada dia, está nas situações, nos gestos e nas dificuldades. Amor é companheirismo, é olhar para uma pessoa e conseguir entendê-la sem a necessidade de palavras, é a sintonia, o apoio e o respeito. Isso é amor! E você tinha tudo isso, mas é um covarde que não sabe entender e que não consegue admitir o que sente! Você tem medo de admitir que sente algo por Teresa e tenta fugir disso, dorme com outra mulher e tenta se convencer de que o que tem com ela é amor, porque não foi te apresentado como uma obrigação! Você não consegue aceitar que ama algo que te foi imposto, e nem que a escolheu mesmo depois disso!

- Eu não sou nenhum covarde! - o Imperador vociferou e Januária pode ver que havia atingido um tópico sensível ao falar de seus sentimentos e de sua incapacidade emocional, conseguia notar água brotando em seus olhos azuis, mas ela não iria parar de pressioná-lo ou de tentar fazer com que ele enxergasse a verdade - Eu não sou! Eu sei dos meus sentimentos!

A Condessa de Áquila encostou suas costas na na cadeira, observando as lágrimas cairem dos olhos de seu irmão e vendo que naquele momento ele havia se tornado o menino assustado que implorava pela sua companhia em noites tempestuosas, nas noites que sentia falta do que lhe foi tirado. Não, ela não iria ceder. Não faria que nem Lurdes, que sempre havia colocado panos quentes em todas as besteiras que Pedro fazia. Ela não iria compactuar com uma situação que foi capaz de levar sua mãe ao túmulo.

- Se entende tanto assim, eu espero que também entenda que você é um egoísta e que está colocando seu ego acima de sua família, que está fazendo com sua esposa o mesmo que fizeram com nossa mãe. Você tirou toda a alegria de uma mulher que é a minha irmã de alma, uma pessoa a quem eu amo muito. Ela não sorri mais, nem mesmo na presença de Leopoldina e Isabel ela consegue ser completamente feliz, Pedro. Você a desmereceu como mulher, mãe, amiga e como Imperatriz.

- Não foi minha intenção, eu apenas pensei que se me afastasse mais dela, talvez ela não sofresse tanto. Pensei que estava fazendo a coisa certa.

- Você não se afastou dela para poupá-la, é egoísta demais para isso. Se afastou dela porque sabe que seus sentimentos por ela são fortes e reais, e isso te amedronta, você se afastou dela para se poupar. - Januária viu o irmão prender a respiração e continuou - Você é muito autocentrado para fazer o que eu vou te pedir, mas espero que ao menos tente e que pense em todos ao tomar essa decisão.

- O que vai me pedir?

- Quero que deixe Teresa livre para amar outra pessoa da mesma forma que ela te ama.

Foi um golpe certeiro. O rosto de Pedro passou por todas as emoções que ele nunca admitiu ter ou sentir, sua face se tornando um espelho de seu coração e Januária se sentiu vitoriosa, mas ao mesmo tempo um tanto quanto triste. Deus, ele realmente não entendia nada do que era amor, e ele tinha isso. Ele sentia isso.

- O que quer dizer com isso? - a voz dele saiu com um toque de desespero - Ela não é uma mulher infiel.

- E eu não sou uma pessoa que apoia casos extraconjugais, como você bem sabe, mas se tem uma pessoa que não merece um pingo de fidelidade dessa mulher, essa pessoa é você. - sorrindo um pouco ao ver o desconforto do irmão com o rumo da conversa, a Condessa explicou o resto - E não seria uma infidelidade se você concordasse em deixá-la livre para amar e ser amada. Ela encontraria um homem bom, decente e que seria capaz de dar a ela o que você se recusa a dar. E acredite, irmão...sempre há alguém disposto a fazer o que outra pessoa não faz.

Pedro se levantou, arrastando a cadeira com força e virando de costas, sua respiração estava desregulada e ele ofegava. Era incrível o que uma imaginação era capaz de fazer com um homem que não conseguia enxergar as coisas como elas eram. Januária sabia que nem mesmo com autorização para procurar outro alguém, Teresa o faria. Não, sua cunhada amava Pedro de uma forma que ela nem imaginava, que chegava a lhe doer o peito pois sabia que aquela mulher merecia muito mais do que sofrer por um homem que mentia para ela e para si mesmo. Sim, ele só iria admitir aquilo tudo quando a perdesse para o tempo, que levava a todos. E aí seria tarde demais para desculpas e admissões. Ela tinha que o ajudar, o infernizaria até que ele entendesse.

- Você tem razão. - ele disse, os olhos azuis se encontrando com os dela em uma confissão - Eu sou egoísta.

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