Capítulo 3

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Enquanto o doutor Luciano comandava os procedimentos para os exames que deveriam ser feitos em mim, Bianca e tia Yolanda aguardavam, e Márcio se junta a elas na sala de espera do hospital.

— Nada ainda de Júlio?

— Não. Já liguei quinze vezes para o celular dele e deixei recado. O mais estranho é que liguei também para o hotel que ele costuma ficar e a recepção nega que Júlio Andreus tenha se hospedado lá dessa vez.

— O quê?! Como assim? Márcio! Júlio viajou há quinze dias e disse a Débora que estaria no mesmo hotel que costuma ficar quando viaja para São Paulo a trabalho. Tem certeza que ligou para o hotel certo?

— Claro que sim, Bia! Dé sempre deixou colado o número na porta da geladeira. Mesmo tendo no celular dela e também na caderneta de telefones que ela mantém até hoje. Minha irmã é uma velha dentro de um corpo jovem.

— Curioso, já que o rabugento sempre foi você, querido.

— Pega leve, tia Yô. E agora? O que fazemos? — ele ri da alfinetada da tia Yolanda.

— Esperar. É o que nos resta. — Bia aperta a bolsa onde guardou o misterioso bilhete.

Horas depois o médico vai falar com eles na sala de espera.

— Luciano! E então? Como está a minha menina?

— Os exames mostram que a integridade cerebral da paciente está mantida. O que quer dizer, que Graças a Deus, não houve qualquer lesão. Tipo um AVC ou uma Isquemia cerebral. E comprova os prognósticos iniciais: choque paralisante diante de um grande trauma emocional. É um estado catatônico provisório, e agora é esperarmos o cérebro descansar e se sentir seguro.

— Em outras palavras: não há previsão de quando a minha irmã sairá desse colapso nervoso. É isso?

— Exatamente, meu rapaz. Estamos ministrando um sedativo leve, apenas para que ela se sinta relaxada. E o marido de Débora? Conseguiram contatá-lo?

— Ainda não, Luciano. Imagino que você também acredita que a chegada do meu sobrinho possa trazer a nossa Dé de volta. Eu liguei para a minha irmã. Mas, parece que a Fernanda tem outras prioridades na vida dela.

— Disso a gente já sabia, tia. Doutor Luciano, podemos ir ficar com a minha prima?

— Todos podem ir visitá-la. Apenas uma pessoa poderá ficar de acompanhante.

— Eu vou ficar. Márcio, continue tentando encontrar o Júlio.

— Bia, filha, eu posso ficar. Sou sozinha, querida, e nada me daria mais prazer. E você está esquecendo do seu trabalho e seu noivo. O Ton já está sabendo? — imediatamente doutor Luciano olha para Bianca, que não consegue esconder uma certa tristeza.

— Não se preocupe, tia Yô. Já avisei no colégio que ficarei uns dias sem ir, por conta de doença na família. Liguei para a diretora logo que cheguei aqui. E quanto ao Ton... ainda não consegui falar com ele hoje. Mas logo ele deve me ligar e eu o informo. Eu realmente prefiro ficar com a Dé, tia.

Com todos de acordo, vão para o quarto privativo onde estou internada e ficam até ser suspensa a hora da visita. Durante a noite a minha prima quase não dorme. Passa a maior parte do tempo falando, supostamente comigo, mas na verdade é tudo um desabafo.

Antes desse dia, Bianca já tinha comentado comigo sobre o noivo está se afastando. Indiferente. E, pelo jeito, até o contato estava ficando difícil com ele. A Bia era uma menina linda – As pessoas nos achavam parecidas. Muito carinhosa, de nós três ela era a mais bondosa e tranquila. O namoro com o ex-colega de faculdade começou quando ela era ainda uma menina tímida de dezoito anos. Nessa época nós já morávamos juntos na casa que ela herdou do pai. O meu tio, irmão da minha mãe, que morreu também quando ela era uma criança.

Depois de poucas horas de sono, Bianca decide ir em casa cedo, para tomar um banho e resolver algumas coisas. Eu continuava apagada. Minha prima se arruma e pega algumas roupas limpas para levar pra mim no hospital. Ela acredita que eu vá ficar bem ainda naquele dia, e voltar para casa. Quando estar pronta para sair, recebe a visita de Ton, seu noivo.

— Oi, amor. Eu só vi o seu recado ontem... já estava um pouco tarde, não quis lhe acordar. O que houve com a Dé?

— Isso é tudo que você tem para me dizer? Depois de dois dias sem notícias suas e o que você me diz é que só viu meu recado ontem, e tarde da noite? É isso mesmo, Antônio?!

— Amor, eu tive uns probleminhas aí..., mas eu te conto tudo depois. Eram assuntos de trabalho. O importante agora é saber o que houve com a sua prima.

— Não. O importante agora é você me dar o tempo que eu agora estou precisando. O nosso assunto é longo e não é só do seu sumiço esses últimos dias. No momento não estou com cabeça e nem paciência para ouvir mais um monte de explicações vazias e duvidosas. E só para seu conhecimento, eu posso parecer boba, mas definitivamente, não sou burra! Agora se me der licença. Eu estou com presa!

— Bia! Calma! Que agressividade é essa? Você não é assim!

— Tem razão. Um dia a gente percebe que enquanto sorrimos e somos carinhosos, as pessoas tripudiam e nos traem sem o menor constrangimento. — minha prima estava muito magoada, e saber parte do que havia acontecido comigo a deixou atenta a tudo que vinha percebendo no próprio relacionamento.

— Bia, eu...

— Ton, teremos uma conversa, claro, estamos juntos há mais de cinco anos e... bem, não quero tomar qualquer decisão num momento tão delicado como esse. Por favor, agora eu é que estou pedindo para você se afastar. Quando toda essa loucura que está acontecendo com a Dé passar, vamos conversar.

— Tem certeza que é isso mesmo que você quer? Me afastar justo agora? Quando mais precisa de mim?

— Talvez eu só esteja facilitando para você. Agora é a hora de você pensar bastante se o certo mesmo é a gente levar adiante a decisão de casar.

Bianca apenas vira-se e sai sem dar ao noivo a chance de refutar o que ela disse de forma dura e definitiva. Ao chegar ao hospital encontra o doutor Luciano e outro médico, no quarto.

— Bom dia, doutor. E a minha prima? alguma novidade?

— Ela deve acordar a qualquer momento. Eu e o doutor Itamar aqui estaremos no hospital o dia todo e logo que a Débora acorde faremos outros exames para ver como está a coordenação motora dela. Mas não é nada com o que deva se preocupar.

— Eu ficarei com a minha prima até o meio dia. A tarde a tia Yô... Yolanda, virá ficar com ela. Eu preciso voltar ao trabalho. Eu dou aula de inglês num colégio particular.

— Entendo. Não deve mesmo atrapalhar a sua rotina. O que está acontecendo com a sua prima não é nada grave. Pelo menos, os relacionados a saúde física dela.

— Vamos, Luciano! Tenho um paciente que quero que você examine comigo.

— Claro, Itamar. Já vamos. É... Bianca, caso a gente não se veja até a hora de você ir embora, peço que me procure. Preciso falar com você.

— Está certo, doutor Luciano.

Os médicos deixam o quarto e Bianca sente o coração acelerar. Desde que conheceu o doutor Luciano não consegue parar de pensar em como deseja a ajuda e o apoio dele. E embora queira se enganar, sabe que não é somente pelo meu problema. O pensamento a aflige.

Os médicos seguem para o elevador, e estando sozinhos, doutor Itamar observa o colega e acaba fazendo um comentário.

— É impressão minha ou você está claramente envolvido com o drama dessas moças de onde acabamos de sair do quarto? Você nem piscava ao olhar para a prima da paciente. Não tirou os olhos dela.

— Não seja chato. Você está longe de parecer um vidente. Sabemos que a questão ali é meramente emocional. São duas moças muito jovens.

— Sim. E muito bonitas. Duas deusas do ébano maravilhosas. Cara, te conheço de uma vida. E só vi esse mesmo olhar uma única vez antes.

— Esquece. Vamos lá ver seu paciente.


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