Sirius Orion Black nunca diria que sofreu os efeitos da guerra.
Como ele poderia, quando vivia na única bolha de proteção do reino? Quando passava seus dias cercado pelos seguranças especialmente treinados e pelas grossas paredes do castelo? Quando não conhecia, a não ser por relatos apavorantes e histórias terrivelmente tristes, a realidade lá fora?
Sirius nunca diria isso.
Mas, abstendo-nos de sua mania de tentar sempre provar-se corajoso, uma característica que trazia praticamente desde o nascimento, podemos com firmeza dizer que Sirius Black foi um garoto criado em um mundo de horrores. Talvez não se comparasse com aquilo que os outros, sofridos trabalhadores e dedicados soldados, passavam, mas ainda assim o peso da guerra se acumulava sobre os ombros do pobre garoto, tornando-o por vezes demasiado frio e melancólico, preocupado demais para um garoto tão jovem. No fundo, Sirius só estava assustado.
O princípe Sirius Orion Black II nascera condenado a comandar um reino em chamas. A guerra com os vizinhos já durava sete anos quando ele veio ao mundo, um bebê com um lindo sorriso que, infelizmente, seria visto poucas vezes durante os anos seguintes. Em um mundo em guerra, as razões para sorrir são poucas.
Ele teve aulas com os melhores tutores do reino, e enquanto crianças da sua idade eram mortas e enviadas para lutar, ele aprendeu a falar em diversas línguas e desenhar com maestria. Sabia trocar de idioma em segundos e produzir mapas perfeitos, poderia montar cinco estratégias políticas durante o café da manhã e pensar em respostas ágeis para quase tudo.
No entanto, Sirius tinha medo. Tinha medo de perder sua família, de ver as muralhas do reino sendo derrubadas, sua única garantia de liberdade se esvoaçando pelos ares, desaparecendo antes que ele pudesse tentar segurá-la. Tinha medo do futuro, de quando coubesse a ele tomar decisões sobre batalhas e gerenciamento de tropas, de quando visse os saldos de mortos escritos nos jornais e soubesse que tudo aquilo era sua culpa. Tinha medo de acordar com os alarmes do castelo soando, os funcionários e guardas reais correndo em um frenesi desesperado com apenas uma certeza em mente: eles haviam entrado.
E esses, infelizmente, não eram medos irracionais. Da primeira vez que os nebelvir invadiram o castelo, ele tinha dois anos. Não lembrava mais daquela noite, por ser muito pequeno quando aconteceu. Tudo que sabia era que sua tutora favorita, Minnie, correra até seu quarto buscá-lo, e o conduziu pelo labirinto de túneis e passagens secretas que levavam até um grande salão no subsolo, com estoques de comida e suprimentos básicos para proteger a família real pelo tempo que fosse necessário, até que os guardas contivessem o ataque. Nesse caso, aconteceu rapidamente, e logo o príncipe e seus pais estavam de volta aos seus aposentos costumeiros.
Seus pais não tentaram confortá-lo ou acalmar seu choro frenético, de uma criança que não entendia o que estava acontecendo. Mas Minnie ficou com ele por horas, afagando seus cabelos e contando histórias de ninar até Sirius pegar no sono.
Na segunda vez, ele tinha nove anos.
Infelizmente, já não era mais tão pequeno que as memórias pudessem se perder com o tempo, se confundir com outros eventos e sumir aos poucos de sua mente. Não, daquele dia Sirius lembra-se muito bem, como se pensasse sobre e repentinamente fosse transportado para lá, naquele exato instante, o momento em que percebeu que o mundo em que vivia nunca seria igual aos contos de fada que tanto gostava de ler.
Os alarmes soaram, e Sirius sabia que deveria esperar que algum tutor ou guarda viesse buscá-lo, mas não foi isso que vez. Pelo contrário, saiu correndo, os guardas que deveriam estar na porta de seu quarto ocupados demais correndo até o centro da confusão para detê-lo. Ele sabia onde ficava a passagem mais próxima, e se dirigiu para lá sem hesitar. Foi no cruzamento entre dois exuberantes corredores que o viu, um garoto ruivo de bochechas rosadas, parado em sua direção, apontando uma arma. Usava uniformes vermelhos, e Sirius tentou pensar sobre o que aquilo significava: era um ataque extravagante, sem intenção de ser discreto ou de camuflar os soldados. Não era uma missão de sequestro que tinha dado errado, estava acontecendo exatamente como os nebelvir planejaram, e essa foi a única conclusão em que ele conseguiu chegar.
Sirius tentou pensar como um adulto, como um estrategista de guerra, pensar em algo que o ajudasse a chegar até a passagem sem levar um tiro antes. Mas não conseguia, porque tinha nove anos e a mente assustada de uma criança, e um zumbido alto atrapalhava seus pensamentos, e tudo que conseguia pensar era que o garoto tinha a idade dele.
Talvez fosse um pouco mais alto, tivesse as feições mais duras, como se fossem lapidadas pelas batalhas nas quais lutou. Mas não podia ser muito mais velho do que ele, não com aqueles traços infantis, o brilho assustado nos olhos, os coturnos pequenos, em tamanho feito especialmente para crianças.
Porque coturnos de guerra eram feitos em tamanhos para crianças?
Sirius não pensou, somente continuou caminhando, na mesma direção de antes, a direção da passagem, seus olhos fixos nos olhos azuis e tristes do soldado nebelvir. A arma continuou apontada para ele, mas o garoto não fez nenhum movimento para atirar, e Sirius somente continuou a caminhar, em um passo automático, sem realmente olhar para onde estava indo, sem pensar. A adrenalina de alguns instantes antes, o medo, o nervosismo em correr com toda a força que tinha havia sido substituído por uma tristeza profunda, da qual nunca mais conseguiria se livrar, a tristeza desesperadora de uma imagem que o acompanharia pelo resto da vida.
Ele chegou ao túnel, mas trouxe consigo algo que nunca quis ter.
Sirius Orion Black carregou, desde aquele dia, a angústia da verdade.
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Don't Blame Me
FanfictionRemus Lupin tem uma missão: entrar no castelo Spendat e envenenar a família real. Mas quando ele se torna cada vez mais próximo do príncipe Sirius, começa a questionar tudo, até mesmo sua lealdade.