Ela tinha olhos castanhos, cabelo liso e curto, estatura baixa, corpo magro, a postura era relaxada e as roupas eram comuns, parecia ter em torno de 20 anos. Ao passar do seu lado à procura de um acento eu senti uma tensão, um tipo de vibração por todo meu corpo a qual estranhei porque o sentimento não era familiar. O ônibus estava no meio do trajeto em direção ao centro da cidade quando embarquei, hoje acontecerá a pré-estreia de um filme que estava aguardando há muito tempo e logo a ansiedade que consumia meu corpo fanático por HQs de super-heróis foi completamente substituída pela curiosidade de conhecer aquela menina. Eram 21:27 e a sessão iniciava às 22:30, considerando que faltam apenas 15 minutos para o final do trajeto estava tudo ok e dentro dos planos.
A primeira questão que me veio à cabeça foi "por que ela está em pé se tantos acentos estão disponíveis no ônibus?" estranhamente, como se lesse meus pensamentos, ela se direcionou ao banco em minha frente, jogou a mochila ao seu lado esquerdo e sentou se ao lado da janela. 13 minutos. Eu senti a tensão aumentar, como se meu corpo fosse um metal e o dela um ímã e era necessário fazer uma força contrária enorme para conseguir me manter distante. Pensei se deveria de alguma forma me aproximar e perguntar como foi o seu dia, qual o seu nome e para onde está indo mas... Se alguém aleatoriamente fizesse isso comigo seria estranho, não? Então me mantenho em meu lugar. Avanço a música várias vezes até encontrar alguma que me agrada, em seguida procuro meu pequeno bloco de notas dentro da mochila, abro na última página e encaro a última frase escrita em uma caligrafia cursiva e levemente bagunçada "[...] Em nome da Abelha -" sinto a brisa da noite entrar pela janela da passageira do banco em frente ao meu, sorrio ao sentir o cheiro do seu perfume refrescante inundar as minhas narinas. Sem perceber e com uma velocidade criativa nunca antes vista pelo meu cérebro, escrevo no espaço vazio abaixo da última frase:
" E da Borboleta
E da Brisa - Amém!"
Sorrio de maneira satisfeita e até mesmo um pouco surpresa com a rapidez que escrevi os versos no papel, a caligrafia (ainda mais) bagunçada pelo ônibus em movimento apenas potencializava o poema, pois assim estava gravado o contexto em que conclui a escrita, e isso, eu não gostaria de esquecer. Devolvo o bloco de notas para a mochila. 10 minutos.
As luzes vão passando, a música continua tocando e eu apenas penso em alguma forma de conseguir localizar aquela menina depois que desembarcar do ônibus. Lembro de várias vezes refletir sobre conexões assim, que definitivamente são algo e talvez aquela pessoa ali pudesse mudar toda a tua vida e caso acontecesse comigo algum dia, eu não deixaria a oportunidade passar. Ok, talvez estivesse sendo clichê demais, mas era como eu me sentia. 6 minutos. Recebo uma mensagem de meu irmão mais velho onde ele falava que já estava aguardando na frente do shopping por mim e respondo com um simples "estou perto", desligo a internet e guardo o celular no bolso. 3 minutos.
As janelas abertas sopram um vento em meus cabelos arrepiados e por um momento observo meu reflexo na janela e percebo o quão exausta estou, essas olheiras parecem não desabitar o meu corpo desde o início da faculdade, isso já fazem quase dois anos. Removo os meus fones e guardo-os no bolso da mochila, o celular fica no bolso direito traseiro da calça jeans folgada e gasta, do bolso esquerdo eu retiro o cartão que será necessário para o meu desembarque. 1 minuto.
Levanto e coloco a alça da mochila em meu ombro, me direciono a saída e aguardo o motorista estacionar o ônibus em frente ao shopping, insiro o cartão na máquina e a alavanca permite a passagem para a minha descida. Quando desço logo avisto meu irmão, percebo que a tensão não havia passado ou "enfraquecido", olho para trás e percebo que a menina também havia descido do ônibus e por um momento meu corpo congela, depois de alguns segundos eu caminho em direção ao meu irmão e ela (para minha surpresa, também), quando finalmente o alcanço e lhe cumprimento, ele diz:
- Então Em, essa é a Susan, minha amiga que eu te falei.- e aponta para a menina que estava logo atrás de mim - Ela vai assistir o filme com a gente, ok?
Admito que havia me esquecido dessa tal amiga de meu irmão, mas não tive muito tempo para pensar no que dizer, pois tudo que passava na minha cabeça era que ele a conhecia. Ele tinha algum contato com ela, então talvez eu poderia ter também. Era intrigante como um ser tão pequeno poderia despertar, em tão pouco tempo, tantos sentimentos em mim que eu não sabia que poderia sentir. Ela me inspirou a terminar um poema simplesmente com a brisa do seu cheiro e agora me fez sentir esperança simplesmente por existir. Percebo que estou quieta por tempo demais quando sua voz me desperta do meu transe:
- Pode me chamar de Sue - fala, acenando de modo tímido e sorrindo sem mostrar os dentes. A voz dela era delicada.
- Oi Sue! Eu sou a Emily - é tudo que consigo responder, minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria, mas me dou convencida que Sue escutou, pois a mesma acenava positivamente com a cabeça e continuava com seu sorriso tímido no rosto.
Durante o desenvolvimento do filme eu tive muitas surpresas com a trajetória dos personagens, mas a minha maior surpresa (ou nem tanto) foi descobrir que na visão de Austin, Sue não era apenas sua "amiga", ou pelo menos meu irmão não gostaria que fosse. Ele estava tão concentrado em suas investidas insossas que não notou que Sue estava concentrada na tela, seus olhos brilhavam e suas reações eram impagáveis. Concluí após esse acontecimento que sim, algumas conexões não devem ser ignoradas, mas devemos tomar cuidado para não confundi-las. Espero não ter me confundido com Sue.
VOCÊ ESTÁ LENDO
900 segundos de tensão
FanfictionEmily Dickinson é uma jovem universitária da cidade de Amherst, que no auge dos seus 21 anos se encontra entediada. Certa noite, Emily marca de ir ao cinema com seu irmão mais velho, mas o que não esperava era conhecer uma das pessoas mais inspirado...