Certa vez, li que o acaso é apenas uma probabilidade matemática. Não é um ser ou uma força. É apenas coisa de números e sendo assim, incapaz de controlar, influenciar ou intervir nos acontecimentos da vida.Acontece, afinal, o que deveria acontecer, da forma como aconteceu... Um conjunto de ações, palavras e fatos ordenados de forma minuciosa, sem explicação plausível ou puramente lógica. Então logo a princípio descartamos o ACASO da história. Não é sobre isso que vou falar.
Permita-me voltar no tempo, quase trinta anos atrás. É melhor observar as coisas depois que elas aconteceram. Com todo o plano de fundo já montado e bem organizado, todas as conclusões e teorias testadas e comprovada.
Algumas experiências em nossa vida, viram apenas histórias com o tempo, mal lembramos que elas aconteceram ou dos detalhes como aconteceram. Essa história em particular já foi recontada tantas vezes que espero não ter sido desgastada pelo uso. De qualquer forma, essa não é a minha história, mas escutei relatos minuciosos de todas as partes envolvidas e considero os depoimentos verdadeiros.
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Terça-feira, 8 de outubro de 1991
Eram 9h da manhã de uma terça-feira nublada e melancólica quando Amélia colocou a máquina de lavar roupas para funcionar. Apertou o botão de ciclo rápido e escutou o som da água enchendo a máquina. Parecia o som do riacho de perto da sua casa na infância. Fechou os olhos e imaginou as águas correndo sempre em frente. Lembrou-se de como era fria a água do riacho e riu consigo mesma. Sua mãe nunca deixava que ela brincasse na água gelada, temia que ela fosse se resfriar, no entanto seu corpo costumava ser bem mais forte antes. Sua vivacidade já começava a falhar.
Não era mais uma menina, seus 57 anos estavam quase virando 58 e ela mesma se sentia quase aos 70. Idade é só um número, coisa e matemática, incapaz de delimitar a vida biológica e psicológica. Inútil para explicar as coisas que a gente sente e não pode explicar.
Abriu os olhos quando ouviu baterem em seu portão. Sentiu tudo rodar, a casa, a máquina, o planeta terra balançou e girou muito rápido. Seus olhos escureceram. Levantou-se com cuidado e foi cambaleando até o portão, pediria ajuda a quem quer que fosse.
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8:27h
Pietro recebeu uma ligação do chefe naquela manhã avisando que a encomenda estava atrasada e que o responsável por buscar as peças no depósito havia faltado. Logo naquele dia?
Ele estava exausto. Dormir no desconfortável quarto de hotel nas últimas semanas não estava lhe fazendo bem, tampouco a solidão voluntária a que se submeteu ao sair de casa.O lugar tinha um terrível cheiro rançoso de fritura e o colchão da cama de solteiro era tão velho que podia sentir as grades nas costas e parecia carregar suas marcas o dia inteiro. O dono do hotel disse que era o único quarto disponível e Pietro não tinha muito para onde ir.
Enquanto dirigia de volta até a loja, alongou o pescoço de um lado para o outro. Pensou que precisaria de uma massagem e lembrou-se de sua Hele. Essa lembrança o assustou porque veio junto com um carinho saudoso que há tempos não sentia.
Helena e ele estavam se divorciando. Escolha dele, mas ela nem resistiu.
O amor que antes lhe era tão latente foi se esvaindo com o passar do tempo e foi sufocado pela rotina dos últimos 12 anos. Pietro chegou a pensar que seu sentimento houvesse mesmo morrido, mas sentiu o coitado agonizando em seu peito naquela manhã. Ah, Helena...
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O Tempo das coisas
Short StoryQuando as coisas acontecem? Há por trás de tudo uma razão que desconhecemos? Talvez. Nesse conto, observamos o tempo exato em que cada coisa acontece na vida de nossas personagens e como isso afeta o todo e atinge um fim. Há um tempo afinal, para t...