Capítulo 5

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Alguns dias se passaram. Júlio desapareceu por completo. Márcio começou uma investigação silenciosa e particular, para descobrir o que estava acontecendo. Bianca estava cada vez mais envolvida e encantada pelo médico Luciano, mas não queria revelar ao rapaz com medo de fazê-lo sofrer. Ele tentava se aproximar e ela o evitava.

Eu já havia aberto os olhos. Me lembrava perfeitamente do que tinha acontecido, mas não conseguia me comunicar. Ouvia bem tudo a minha volta e não respondia aos comandos da voz e dos movimentos de braços e pernas. Estava fazendo fisioterapia e tendo acompanhamento com um psicoterapeuta.

Era uma sexta-feira, quatro dias que estava internada naquele hospital. Há dois dias vinha tendo sessões de fisioterapia intensas. Já estava com movimentos nos braços e nas pernas. Apenas não conseguia falar. Por mais que tentasse eram apenas rugidos secos e inarticulados que saíam da minha boca. Eu não conseguia entender. Mas também não estava pensando nisso naquele momento. Meus pensamentos eram bem outros.

Naquele dia o doutor Luciano pediu que meus acompanhantes só fossem ao hospital no final da tarde, pois eu seria submetida a uma série de exames finais, e ele pretendia me dar alta. Era um dia de muita chuva na cidade. Fiz alguns exames pela manhã, e apenas mais um, logo depois do horário do almoço. Ouvi o doutor Luciano conversando com o doutor Itamar que me daria alta naquele dia mesmo quando os meus familiares chegassem. Os exames feitos pela manhã estavam todos bons, e a fisioterapia poderia ser feita em casa mesmo.

Logo depois da última sessão de fisioterapia eu fiquei sozinha no quarto e fingi que estava dormindo para a enfermeira que foi me ver.

E naquele mesmo dia, de muita chuva na cidade, eu tomei a decisão de ir embora para sempre. Talvez assim as pessoas que eu mais amava no mundo, pudessem viver suas vidas e serem felizes.

Tranquei a porta do quarto, troquei de roupa e pulei a janela que dava para um jardim no fundo do hospital - Era uma sorte que tivéssemos um excelente plano de saúde que me possibilitou ficar num quarto privativo, e também o quarto estava localizado na parte térrea do hospital - Antes de sair do quarto eu me vi diante do espelho no banheiro e ao olhar meu reflexo senti ódio de mim mesma por ter sido tão ingênua e, dos que estavam me fazendo sofrer tanto.

Andei rapidamente até o portão, fiquei escondida alguns minutos. Vi o meu irmão, minha prima e a tia Yolanda chegando. Estavam mais magros, abatidos e desanimados por conta do meu problema. Chorei muito ao vê-los, mas me apressei em sair dali. Logo estariam me procurando. Peguei um táxi e apresentei num papel o meu destino ao motorista. Ainda não conseguia falar. Sorte ter um prontuário e uma caneta presos a minha cama. Rasguei o papel e escrevi no verso da folha que estava em branco.

Lá dentro o doutor Luciano estava saindo do quarto de um paciente quando encontrou a minha família chegando para me visitar.

- Como estão? Tenho ótimas notícias para vocês. Podem vir comigo até a sala de enfermagem?

- Pelo jeito a notícia é boa mesmo, Luciano. Você parece bem animado.

- Com certeza, Yolanda. Estou pensando em dar alta para a Débora.

- Mesmo, doutor?! Que notícia ótima! Minha prima reagiu então?

- A fisioterapeuta percebe maior rigidez e mobilidade nos músculos dos braços e das pernas. Sinais claros de que Débora está se movendo normalmente. O psicoterapeuta também registrou pequenas interações dos olhos e da boca, mostrando que havia emoções reais e atuais acontecendo com Débora.

- E a fala? Minha irmã voltou a falar normalmente?

- Não. Mas, pelos exames que fizemos, e pelo laudo da fonoaudióloga, é só uma questão de exercitar as cordas vocais e os músculos voltam a emitir os sons.

- Nesse caso, a falta da voz não é só emocional?

- Basicamente sim. Apenas os exercícios vão fazer o cérebro destravar. O importante é que todas essas terapias podem e devem ser feitas em casa. Num ambiente familiar e seguro para Débora.

- Doutor Luciano! Venha rápido! A paciente do quarto 056.

- Esse é o quarto de Débora! O que aconteceu com a minha irmã?

- Calma! Fiquem aqui! Eu vou ver o que está acontecendo.

Doutor Luciano sai correndo e os outros não obedecem e saem correndo atrás dele para chegar ao quarto em que eu estava. Ao chegarem se deparam com a cama vazia, uma cadeira próxima a janela que está aberta.

Revistam todo o hospital e ao se darem conta que não me encontro em lugar nenhum, se reúnem para organizar e decidir o que fazer.

- E agora? Eu pensei que a minha prima estava em segurança dentro do hospital. Se ela não tinha forças para sair com as próprias pernas, é claro que alguém a tirou daqui. - Bia fica apavorada com o meu sumiço.

- Não é o que parece. Como a enfermeira contou, a porta estava fechada por dentro quando tentou entrar para dar o medicamento a Débora. A cadeira estava próxima a janela, já que é alta, e como viram, o prontuário foi rasgado e a caneta usada.

- O que tudo isso quer dizer, doutor Luciano? Que a minha irmã fugiu sozinha? - Márcio não consegue acreditar no que está acontecendo.

- Aparentemente é o que se supõe. Mas não podemos ter certeza de nada sem uma investigação.

- Luciano! O doutor Lacerda pediu a nossa presença na sala dele. E já mandou chamar os porteiros e os vigilantes. Pediu também as imagens das câmeras de vigilância.

- Doutor Luciano, e agora? E se a Débora foi levada? Eles podem acabar com ela.

- Levada?! O que quer dizer com isso, Bianca? Porque acha que alguém faria mal a minha irmã?

- Não sei, Márcio! Não sei de nada! Estou muito preocupada com a Débora!

- Bianca! Olha pra mim! Droga! Eu já percebi que está acontecendo alguma coisa e pelo visto você está sabendo.

- Márcio, por favor...

- Penso que chegou a hora dele também ficar sabendo o que está acontecendo. Mas não pode ser agora. Preciso ir para reunião com o diretor-chefe do hospital. Essa situação é muito delicada e temos que nos manter calmos. Com o hospital assumindo a responsabilidade pelo desaparecimento de Débora, logo saberemos alguma coisa. Não demoro. - Luciano se coloca em ação.

- Porra! Fala pra mim agora, Bianca! O que esse médico sabe sobre o que está se passando com a minha irmã e eu não? E não me venha com esse papinho de que não sabe de nada, porque está muito claro pra mim o envolvimento de vocês dois!

-Que absurdo é esse, Márcio?! Sabemos que está nervoso, preocupado e todos nós estamos. Mas não precisa tratar sua prima com leviandades. O que acha que Bia pode saber?

- Bianca! - meu irmão insiste, firme.

- Me dê um tempo, Márcio! Tá bom? Se você fosse menos nervoso e mais maduro, certamente já teríamos conversado sobre tudo. Agora, o que vamos fazer é esperar o doutor Luciano voltar e saber se tem alguma informação sobre o sumiço de Débora.

Bianca estava apavorada e temia também pelo descontrole do meu irmão ao saber de parte daquela história. Bianca se afastou para evitar brigar com Márcio. Ele era muito esquentado e estava quase explodindo.


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