📖 Capítulo 6 - Minha amiga, Tânia

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ABRIL DE 2021
APARTAMENTO DA MALU
MALU

Minha melhor amiga Tânia é a melhor pessoa que conheço.

Ela sempre cuidou do pai e do irmão com um carinho e senso de responsabilidade que hoje eu, como uma adulta, sei que era incrivelmente precoce pra idade dela.

Ela não reclamava, não tinha momentos de fraqueza e nunca, definitivamente nunca, chorava na frente deles. Nem quando seu pai foi diagnosticado com depressão clínica, nem quando ele perdeu boa parte do que tinham para a mãe dela. Apenas sorria pra eles e dizia que tudo bem, eles se ergueriam, e os fazia rir com uma piada ou gracinha.

Essa é a Tânia.

Os outros primeiro e ninguém deve saber o que ela pensa ou sente sobre assuntos profundos. Trancada a sete chaves.

A única vez que a vi falar mais de si foi no época em que ela terminou o ensino médio. Seu pai queria fazer uma festinha, mas ela pediu o dinheiro para viajar comigo para uma cidadezinha bem parecida com a que moramos hoje, lá no Brasil. Meus pais, que sempre a consideraram super responsável, permitiram a viagem, considerando uma boa oportunidade para minha amiga passar um tempinho longe das responsabilidades ser uma "adolescente normal".

Então, a gente foi. E foi muito divertido estar na natureza, comer bastante e ficar acordadas até tarde em um acampamento. Em um determinado momento Tânia me mostrou duas garrafas de cerveja.

- Uma pra mim e a outra também.

- Poxa Tantan...

- Você não pode beber - ela me deu língua e riu alto - mas, vou te dar o privilégio de me assistir beber e tomar conta de mim.

- Vai precisar de babá com apenas duas garrafinhas?

- Não vou me embebedar - apontou, abrindo a primeira - mas tenho baixa tolerância, então pode rolar de eu ficar com a língua solta, se prepare para ouvir meus podres!

Ri muito mesmo das bobagens que ela disse aquela noite, mas um pouquinho antes de dormir ela disse algo sobre o qual nunca mais voltou a falar comigo novamente, por mais que eu perguntasse.

- Sou uma pessoa horrível - sussurrou.

- Você é a melhor pessoa do mundo - ri jogando o cobertor sobre ela.

- Não - murmurou - sou horrível, eu odeio a minha mãe. Pessoas boas não odeiam a própria mãe... Então, sou horrível. Minha mãe também é horrível. Eu sou como ela. Eu odeio a minha mãe.

Esperei mais alguns minutos, mas ela adormeceu sem me dizer mais nada. Foi a primeira e única vez que a ouvi falar sobre a mãe.

Minha mente volta daquele dia para o presente, estava me perguntando o porquê da memória vir de repente, mas então me dei conta. Me senti tão triste por ela na época, me sinto triste por ela agora.

Nunca mais a vi tão deprimida.

Fecho a porta do quarto onde a deixo dormindo, levando de volta a bandeja com o jantar que ela se negou a comer. Minha preocupação está nas alturas e, talvez movida por isso, atendo a ligação que recebo ao chegar na cozinha, assim que vejo o nome na tela.

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