Paralisia

11 2 1
                                    


Numa manhã fria e chuvosa de segunda-feira, ela levanta-se da cama, ainda sonolenta. O dia estava diferente dos outros, parecia que ela estava a pressentir que algo estranho iria ocorrer naquele dia. Pôs os pensamentos de lado e foi fazer o seu dia normalmente. Lavou o rosto e escovou os dentes, fazendo o seu caminho para preparar o pequeno-almoço.

'Sinto-me muito cansada hoje, como se não tivesse descansado durante todo o fim-de-semana' disse ela ao seu marido.

'Deves ter dormido mal' ele respondeu enquanto comia a sua torrada amanteigada.

Ela quis acreditar que, de facto, esse era o problema. Mas algo não parecia certo nesse dia. Continuando a sua manhã como o habitual, ela continuou a comer o seu pequeno-almoço enquanto discutia com o marido as notícias do jornal do dia.

Eles viviam na Noruega, eram imigrantes a cerca de 1 ano. Ela perdera o seu emprego recentemente e passava os dias em casa a enviar currículos para as diversas vagas que ia encontrando na internet. Limpava a casa todos os dias apenas para não se sentir inútil.

Levantava-se cedo e fazia o pequeno-almoço para ela e para o seu marido enquanto o mesmo se arrumava para o trabalho, todos os dias. Quando ele ia embora, despediam-se sempre com um beijo.

'Eu te amo, tem um bom trabalho e cuidado' dizia ela todas as manhãs.

Naquela manhã foi diferente, ela sentiu a necessidade de dar-lhe um abraço muito forte antes que ele saísse.

A verdade é que todos os dias, desde que perdera o seu emprego, que tem sido estranho. Não só pela estranheza de não ter o propósito diário de levantar sempre para ir ao trabalho que ela tanto amara, também pelo medo repentino que ela tinha em adormecer.

Foi numa quinta-feira a tarde que ela após ter feito todas as suas tarefas planeadas para o dia, que ela adormeceu no sofá, entre um episódio e outro da série de televisão que estava a assistir, num sono profundo. Ela estava no mesmo local que tinha ido na última viagem que o casal fizera há três meses atrás para o sul de Itália. O dia estava lindo, como sempre. O sol tocava-lhe a pele como fogo, o vento movia o seu cabelo em ondas constantes, e o barulho do mar trazia-lhe paz.

'Vamos ao bar beber algo bem gelado, meu amor?' perguntou-lhe.

'Sim, estou louca por uma margarita' ela respondeu.

Seguiram então o caminho até ao bar, de mãos dadas, a desejar que aquelas férias nunca acabassem. Quando lá chegaram, estava tudo completamente diferente desde a última vez que tinham lá estado. O marido a encara e como se algo de muito estranho estivesse a acontecer, ele diz:

'Vai para o quarto agora, te encontro lá em dez minutos' disse ele amedrontado.

Um arrepio subiu-lhe ao corpo, sentiu todos os seus pelos a eriçarem, havia algo de errado. Mas sem questionar, ela obedeceu. Fez o seu caminho até o quarto cheia de medo 'O que estará a acontecer?' questiona-se. Chegou a porta e quando a abriu, de repente, ela se encontrava deitada no sofá da sua sala outra vez. A televisão estava igual, com as imagens de proteção de ecrã a alternarem-se a cada minuto. Os seus óculos estavam pousados em cima da mesa de centro e a garrafa de água que ela tinha sempre na sua companhia, estava ao lado. Mas ela não conseguia se mexer, não conseguia falar, mal conseguia piscar. Mais uma vez 'o que está a acontecer?' ela pensa.

Deposita toda a sua força para sair daquele transe, nada. Começa a entrar em pânico, quer gritar, mas nenhum barulho saiu das suas cordas vocais. Era como se algo estivesse a prender o seu corpo, como se ela já não tivesse poder sobre ele. Põe toda a força nos seus músculos a tentar conseguir o mínimo movimento, nada. Outra imagem aparece no ecrã e depois mais outra. Ela já estava a ficar cansada de tanto lutar. Questionava se ainda estava a sonhar e a lutar para sair daquele sonho aterrorizante.

De repente, ela ouve um estrondo muito grande de um bater da porta. E levanta-se subitamente a procura de ar 'uhhhh' ela solta. Seu coração estava tão acelerado que parecia que ia pular do seu peito. Ela olha a sua volta e está tudo exatamente igual a como estava no seu sonho. Até mesmo a última imagem que ela havia visto em sua televisão. Assutada, a mulher começa a questionar-se 'estive a sonhar ou tive uma paralisia do sono?' porém, não sabia a resposta.

Com medo, ela guardou aquilo para si. E todos os dias, aconteceu-lhe a mesma coisa, o mesmo sonho, a mesma paralisia. Até que ela começou a ter medo de dormir sozinha. Só deixava adormecer quando seu marido estava ao seu lado.

Naquela manhã de segunda-feira, ela sentira o mesmo sentimento que sentia em seu sonho, a estranheza do dia, o medo. Desde que o seu marido saiu de casa para o trabalho, que ela receava que algo iria acontecer. No entanto, mais uma vez pôs os pensamentos de lado e foi fazer tudo aquilo que tinha planeado na sua lista de tarefas no dia anterior.

Às 17 horas, ela preparou-se para riscar a última tarefa da lista. Tomou um banho, vestiu-se e foi ao supermercado que estava localizado em frente a sua casa. Entrou com o coração apertado, mas tentou agir normalmente e seguiu a sua lista de compras à risca, como sempre. Quando terminou, ela seguiu para o caixa proceder o pagamento para poder voltar à segurança de sua casa.

'Mãos para o alto, AGORA' ela ouviu um homem a gritar.

Ao olhar para o homem, o mesmo se encontrava com uma arma a apontar para o caixa do supermercado. Era um homem alto, típico norueguês, forte e com uma máscara que a impossibilitava de ver o seu rosto. Os seus olhos pareciam ser de um azul profundo, estavam encharcados como se ele estivesse prestes a chorar. Ela nunca iria se esquecer daqueles olhos que ao mesmo tempo que transmitiam raiva, transmitiam medo. Ele tremia, a arma na sua mão estava instável, como se não tivesse a certeza daquilo que estava a fazer.

'QUERO QUE TIRE TODO O DINHEIRO DA CAIXA OU EU ATIRO!' gritava o homem.

A senhora que estava a trabalhar na caixa estava a tremer por todos os lados e mal conseguia segurar direito na chave que abria a caixa.

'RÁPIDO' diz ele

Ela dá um pulo de susto e de medo e, finalmente, consegue abrir o caixa. Ela era a única pessoa na fila. As outras estavam todas escondidas atrás das prateleiras, ouvia choros de medo e pessoas a sussurrarem para que alguém ligasse à polícia.

Quando a mulher caiu em si, não conseguia se mexer. Por mais que tentasse, não tinha sucesso. Nem um pequeno grito saia de sua garganta. Mal conseguia piscar, apenas lágrimas escorriam do seu rosto. Estava paralisada, mais uma vez. Porém dessa vez foi diferente, foi o choque, o verdadeiro medo que ela nunca sentira. Temia pela sua própria vida.

Enquanto a senhora do caixa tirava todo o dinheiro, a mulher percebe movimentos no canto do seu olho. De repente um grito de terror. Uma criança passa ao seu lado, com cerca de 4 ou 5 anos. Como se nada daquilo estivesse a acontecer, como se a sua pureza e inocência ainda não percebesse o perigo que estava a passar. Foi tudo muito rápido e de repente 'POW', um tiro.

A mulher caiu em si, já conseguia se mexer. Colocou a sua mão no peito enquanto, ainda com lágrimas nos olhos, observava o céu lá fora através do vidro. O tempo abriu, o sol atravessava o vidro como uma estufa, estava calor, mas era inverno. Os pássaros voavam, os corvos corvejavam. Não havia uma única nuvem, estava um dia lindo. Ela levanta a mão que antes pousara no peito em direção ao céu, mas algo estava diferente. Ela não conseguia ver bem o quê, pois sentia a sua visão a falhar. Quando aproxima a sua mão no rosto, ela está repleta de sangue. No entanto, o terror que antes a assombrava, já não existia. Ela sorri e diz baixinho 'Então é assim que eu morro?'

Todas as imagens da sua vida começaram a aparecer a frente dos seus olhos. Todos os sorrisos, os choros, tristezas, felicidades, amor. Ela viu o seu marido naquela manhã chuvosa enquanto ele a abraçava com força, como se fosse a última vez, antes de sair para o trabalho.

De repente, todos os sons sessaram e tudo ficou branco.

Ela havia se jogado na frente da criança e levara o tiro em seu lugar. 

ParalisiaOnde histórias criam vida. Descubra agora