O cheiro de sexo foi a primeira coisa que incomodou Ana Luíza ao acordar. A segunda foi a droga da sua cabeça que não parava de latejar. A ideia de uma nova promessa passeou pela sua mente. Eu sabia que ela pensava que não devia ter bebido tanto na noite anterior, sempre ficava tão mal no dia seguinte que prometia a todos os santos nunca mais encostar uma gota de álcool na boca. Mas eram promessas vazias e aquela seria mais uma antes mesmo de ser feita.
Tentando acordar, ela espreguiçou os braços e as pernas o máximo que conseguiu, mas logo voltou para a mesma posição de momentos antes. A ressaca era horrível e Ana Luíza queria poder ficar mais algum tempo na cama, quieta, curtindo sozinha sua dor. Mas sabia que precisava se levantar e fazer alguma coisa se quisesse se livrar daquele mal-estar ainda naquela vida.
Enquanto ela juntava forças, eu observei o espaço ao seu lado. A pessoa havia saído bem cedo, assim que acordou de seu quase coma alcoólico. Ana Luíza não se lembrava do rosto da pessoa e fingia também não se lembrar que passara a noite com alguém, mesmo que fosse impossível ignorar todos os vestígios pelo quarto. Não pensar naquilo era rotineiro, sempre que ela bebia demais e fazia burrada. Preferia ignorar, ignorar como a pessoa devia ter se sentido horrível ao acordar ao lado dela, porque a bebida sempre deixava a vista turva.
Ana Luíza detestava acordar ao lado de qualquer pessoa com falsas desculpas. "Você sabe... Foi só essa noite, não vai acontecer de novo" Era o que sempre queriam dizer. Ela queria que nunca se repetisse, mas ficava fora de si quando bebia e lá ia ela levar mais alguém para debaixo de seu lençol. Só porque não conseguia dizer não quando Ana Paula estava envolvida.
Ana Paula. Como aquele nome me tirava do sério. Ana Luíza fingia não se importar, mas vivia aquela relação de amor e ódio com sua melhor amiga. Melhor amiga é o escambau. Ana Luíza sabia bem que aquilo não podia ser amizade.
Não gostava de pensar sobre o assunto, sentia-se pior do que viver daquela maneira. Eu sempre dizia que era melhor se livrar logo de Ana Paula, só assim para ser feliz de verdade, mas as pessoas não costumam me escutar, sempre ignoravam a voz da razão.
Finalmente ela se levantou. Colocou a mão na testa como se aquilo resolvesse de algo e caminhou pelo quarto até cair apoiada sobre a penteadeira. Lá ela se encarou no espelho.
Ana Luíza não se achava feia, mas havia escutado muito aquilo na vida. "Você é arrumadinha." "Você ficaria muito melhor se perdesse alguns quilinhos." "Quem iria querer namorar alguém como você se não se cuida?"
Nem preciso dizer que escutava muito Ana Paula falar tudo aquilo. As pessoas diziam que a amiga só queria ajudar, que ela sabia o que era melhor para Ana Luíza. Mas a verdade era que Ana Paula era rica, popular, bonita e todo o combo que levam a pessoa a outro nível de manipulação. E Ana Luíza era só... Ana Luíza. Vivendo às sombras da melhor amiga, fazendo tudo o que esta queria. Na escola fazia os trabalhos dela. Quando cresceram, aceitou trabalhar como sua assistente/secretária/a besta que sempre estava lá quando Ana Paula queria. Era só Ana Paula ter a ideia de saírem para alguma balada que Ana Luíza concordava, mesmo detestando lugares como aquele. E por conta de Ana Paula precisava aceitar ir para casa com os garotos que ela apresentava porque seria horrível dar um fora nos amigos dela sendo a pessoa que era. Sendo como ela era.
Fechou os olhos, tentando apagar da cabeça a imagem esculhambada que acabara de ver no espelho. Tinha certeza que Ana Paula não acordava como ela, não com os seus cabelos claros tão bagunçados e a cara de quem havia sido atropelada por um caminhão. Então escutou o vibrar do celular em algum canto do quarto bagunçado e abriu novamente os olhos. Era domingo, quem estaria ligando tão cedo? Não podia ficar aquele dia sem falar com ninguém?
Caçou o aparelho pela confusão de lençóis e franziu o rosto quando finalmente leu o nome na tela.
— Manda essa vaca se foder — falei em seu pé de ouvido.
Ana Luíza balançou a cabeça, negando seus pensamentos. Ela nunca me escutava, mesmo se odiando por isso. No fundo, sabia que não queria ser a pessoa que sempre aceitava tudo sem questionar. Sabia que estava matando a nós duas agindo daquela forma e que cavava uma cova ainda mais funda cada vez que ignorava sua intuição. Mas não sabia como fugir daquela situação. Estava tão embrenhada em seus problemas que tinha medo de perder tudo quando finalmente desse um basta. Quem seria ela sem Ana Paula?
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Ana Luíza & Ana Paula
Short StoryConto escrito para o desafio do Sodalício das Pétalas, inspirado pela música yes girl de Bea Miller.