Eu perdi a conta de todas as vezes que vi sua vida escorrer por entre meus dedos. Três? Dezessete? Vinte e nove? Eu não sei mais.
A única coisa persistente é a dor. Ela sempre é a mesma e nunca me deixa. Ela sempre vem não importa como.
Sempre que eu esqueço sobre isso, quando estou feliz, quando você está sorrindo pra mim, a vida vem e te leva de novo e de novo e de novo e de novo.
Eu só te perdi uma vez, mas a vida faz questão de me lembrar disso todos os dias. Todas as noites eu te perco de novo nos meus sonhos. As vezes como naquele dia, as vezes de jeitos diferentes.
As vezes eu sonho sobre nós em outras vidas, sendo felizes juntos, mas em algum momento eu te perco novamente.Já sonhei que éramos pais do nosso menino, que víamos ele crescer, se apaixonar, e então eu te perdia pra um acidente. Já sonhei que nós nos mudamos pra um chalé longe de tudo e que eu te perdia por um incêndio. Já sonhei que éramos agentes infiltrados e que você levava um tiro, que eu tentava estancar seu sangue que não parava de correr enquanto você acariciava meu rosto e finalmente dizia que me amava. Já sonhei que você tinha uma doença incurável e não me contava. Já sonhei comigo ficando velha e você apertando um botão, após ficar velho com uma criatura te segurando, ela ainda me assombra apesar de eu não saber o que ela é. E em todas as vezes dói igual, todas as vezes que você parte eu fico vazia da mesma forma.
Na realidade, eu não mais qual desses sonhos foi o verdadeiro e quais são os falsos. Minha mente está confusa demais, nublada demais, embriagada demais; todos os meus sentidos estão sempre embaçados, assim dói um pouco menos. Tudo está uma bagunça porque eu não tenho mais você aqui pra organizar. Eu não consigo olhar pro cinzeiro do meu apartamento sem lembrar de ti, porque foi ali que tantas conversas aconteceram. Eu com um copo de whisky na mão e você soltando uma baforada de cigarro pro vento levar. Ainda tem uma muda de roupa sua do dia que você esqueceu aqui. Todo rosto parece demais com o seu e sempre que saio de casa tenho a impressão de ver você andando na rua e entrando em alguma esquina, eu sempre corro atrás e nunca realmente te encontro.
Não teve um enterro, não tinha nada pra enterrar. E o nosso menino, ele... Ele não sabe o que fazer sem você aqui. Ele não ri mais como antes e está se afastando aos poucos dos garotos. Eu só queria conseguir confortar ele como você faria, mas eu só estou quebrada e cansada demais pra isso. Se tivesse acontecido comigo eu tenho certeza que você estaria lá com eles, garantindo que está todo mundo bem. Mas eu me tornei egoísta demais, eu já perdi demais e não tenho nada que possa mostrar de bom pra eles. Nenhum sorriso e nenhuma emoção feliz. Não consigo fazer isso como você, sem você.
Sabe, eu ia te chamar pra sair já que você é lerdo demais pra isso. Eu comprei na pré venda os ingressos pro filme que você estava esperando lançar a meses, aquele de suspense com romance? Acho que você nunca vai ver. Eu vou ver por ti, pra quando eu morrer eu poder te contar a história. E as vezes eu ainda escuto a sua voz dizendo algo, nunca é a mesma coisa. Hora você tá me chamando, hora tá me perguntando algo, as vezes chama um dos meninos. Eu tenho quase certeza que ontem ouvi "minha querida" bem baixinho, como se alguém tivesse sussurrado no meu ouvido. Por um segundo achei que era você brincando comigo novamente, e doeu ver que não.
Eu sinto sua falta. Eu ainda sinto seu sangue queimando nas minhas mãos, eu ainda ouço um zumbido agudo no ouvido, eu ainda sinto o cheiro do seu cigarro. Eu ainda sinto você preso em cada parte de mim e isso está me matando aos poucos. Parece que tudo sobre você me rodeia e me puxa cada vez mais fundo pra um buraco, cada dia mais você me afoga um tanto mais na sua ausência, a cada segundo eu perco mais do fôlego que você me disse pra segurar. Seu moletom ainda tem seu cheiro, e quando ele some eu recrio ele novamente, e eu sei que eu pareço uma louca fazendo isso. Seu sabão em pó, cigarro e seu perfume. Se eu juntar tudo isso eu consigo sentir você aqui por mais alguns segundos, como se eu estivesse te abraçando pela última vez. Mas na verdade eu estou me segurando nisso com todas forças, porque apesar de eu conseguir refazer teu cheiro eu não consigo te trazer de volta.
Não tem o cheiro do seu shampoo, a textura da sua pele, o calor do seu corpo, não tem você. Não importa o quanto eu tente, eu nunca vou poder te trazer de volta e esse é o fato que mais machuca. E acho que é esse fato que eu sempre tento fazer sumir. Deve ser por isso que eu estou agora chorando mais uma vez, encolhida na cama e abraçada ao seu moletom, com o cheiro artificial que eu recriei, com duas garrafas vazias em cima da cômoda.
Eu só queria que nós tivéssemos mais tempo, eu só queria mais tempo com você. Você teria feito tanto mais se apenas tivesse tempo. Me desculpa Thiago, eu não parei de beber. Me desculpa, eu não pude te salvar. E me perdoa... Porque eu não sei por quanto mais tempo eu vou viver essa vida que você lutou tanto pra salvar.
Um brinde a Thiago Fritz e um gole a essa vida de merda.