A Morte e um cafézinho

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- Ei cara, ei, -repetiu, ao ver o outro distraído - o que você está tomando?
- Não me lembro, - respondeu, dando um olhar meio vago para baixo - parece igual ao teu - Henry fez um gesto significativo em direção ao recipiente do companheiro.
- Ah, é verdade - disse, um tanto quanto desapontado - Mas eaí, o que acha dessas guerras?
- Até que elas tem uma aparência legal, mas e daí?
- Nunca teve vontade de fazer alguma coisa?
- Hum, na última terça-feira eu pensei em filmar.
- Parece de fato uma boa ideia - ponderou - mas onde vamos conseguir uma câmera?
- Não sei, acho que é difícil com essa crise militar.
- Droga - fez uma pausa e refletiu - já sei, e aquele objeto?
- O do Centro do Universo?
- É, é, a gente podia pegar.

Henry assentiu.

Os dois acabaram de tomar suas xícaras de café com pequenos pedaços de açúcar e se levantaram da sua mesa na sorveteria. Largaram um trocado na mesa, mas daí lembraram que ninguém dirigia aquilo mais e não faria diferença pagar ou não. Recuperaram seus preciosos trocados. Mas quem seria a garçonete que os teria servido? Achavam que aquele lugar estava abandonado. Quem tinha feito aquele café? Ao menos, era o lugar ideal para amigos de infância se encontrarem no meio de uma guerra intergaláctica pra jogar conversa fora e tomar uma limonada.

Infelizmente, eles ainda não sabiam nada sobre limonadas.

- Ei, onde fica o Centro do Universo? - Henry apontou com o dedo para algum lugar no espaço que só ele saberia dizer onde.

- Lá? Bem... - olhou pras estrelas, pensativo - tenho uma impressão de que é para a esquerda, mas podíamos perguntar.
- Pra quem?

Depois de um longo silêncio incômodo, decidiram entrar num enorme palácio feito em arquitetura gótica que possuía um enorme "i" azul pendurado no topo e em todas as suas bandeiras.
Foram até o portão principal. Uma enorme obra feita em pedra branca de Urano, cheio de mosaicos e esculturas entalhadas. Havia um guarda na porta, uma figura singular. Vestia um capacete que cobria todo o seu rosto deixando apenas uma linha onde se via o brilho azulado dos olhos. Segurava uma alabarda éterea, duas vezes maior que ele que era duas vezes maior que os dois.

- O que querem? - A voz era gultural, e o guarda não se movera da posição pra olhá-los.
- Queríamos saber como se chega no Centro do Universo.
- HAHAHAHAAHA - a gargalhada ecoou por toda a galáxia, incomodando especialmente numa latinha de cerveja que rolava no chão de uma casa na Iugoslávia - e onde vocês acham que deve ser?
- Bem... um tanto quanto pra esquerda - o guarda moveu a cabeça na direção dos dois.

Houve um momento de tensão.

Dois.

A alabarda se moveu, e os dois se abaixaram na sombra do guarda, com as mãos sob a cabeça. A arma cortou a cabeça de um enorme dragão branco listrado de laranja com sete cabeças e dezesseis chifres que tinha vindo ali importunar o Rei Informante com panfletos.

O guarda abriu um portal interdimensional no portão branco, e estendeu a mão indicando o caminho, alegando veementemente que aquele era um atalho. Os dois relutaram, mas entraram.

Ao passarem, encontraram-se numa grande dimensão onde todos andavam de cabeça para baixo e pareciam bastante zangados com a presença de forasteiros. Henry estava preocupado, Druk ainda estava tentando entender porque derrubava um pote de leite com cereal todo dia da semana. Uma besta com cento e dezessete pés, seis metros de altura e apenas um olho reprovava a presença dos dois de forma mais clara que os outros, que pegavam em armas grotescas e medievais, com pregos e pontas. Henry queria avisar ao companheiro que era perigoso, mas toda vez que falava alguém derrubava uma caixa de cereal da prateleira do supermercado, e só saíam sons estranhos da sua boca. Druk fazia cálculos. Um humanóide apareceu e de sua cabeça saíram outras seis cabeças e ele se tornou um grande gato-dragão, e logo lançou uma bola de fogo em direção aos estranhos, que ao perceberem ficaram estupefatos, mas depois estranharam que a morte não fosse quente e parecesse uma grande mão lhes puxando de volta pro outro lado do portal.

- A gente já morreu?
- Mas que droga, cara!
- Bem, espera. Era assim que você esperava que a morte fosse?
- Eu esperava ela um tanto mais fria, na verdade.
- Que lugar esquisito, olha aquele castelo e aquele guarda que a gente conversava faz alguns momentos.
- É verdade, porque eles estão brancos com bolinhas azuis?
- Não sei. Ei, tenho uma ideia. Tá vendo aquele cara de capuz preto com uma grande foice de combate perto do trator de camponês?
- Sim, o que que tem?
- Será que ele é a morte?
- Parece que sim, mas e daí?
- Vamos fazer um tratado com ela, nós nem conseguimos o artefato ainda, está muito cedo pra desisitir.

E consentiram nessa empreitada.

- É... Você que é a Morte?

O encapuzado voltou-se para eles.

- Único emprego que eu consegui essa semana.
- Ah, que mal cara, por causa da guerra?
- É. Pelo menos não preciso mais guardar caixas de cereal.
- Pô, nós estávamos procurando o artefato do Centro do Universo.
- E daí?
- Daí que nós morremos cara, tem como voltar? - A Morte ponderou.
- Tem, mas não de graça.
- Eu tenho uns trocados, o Henry também tem.
- Não isso, vocês farão um pacto comigo.
- Pode crer, manda aí.
- Já faz muitas eras que se perdeu uma tradição sagrada nas galáxias interiores, mas há uma forma de restaurá-la. A grande receita sagrada do pão de milho. Busquem-na pra mim, e eu lhes devolverei a vida. Tem um prazo de mil e quatorze anos jupiterianos pra conseguirem, se não, voltarão pra esse mundo.
- Fechado.

E voltaram.

- Poxa vida, me desculpem, abri o portal errado, entrem nesse. - disse o guarda
- Nós não tínhamos que buscar o negócio pra Morte? - perguntou Henry
- É rapidinho, depois a gente vê, vamos descobrir onde fica o Centro do Universo antes.

E entraram.

Agora eles estavam num grande salão. Havia uma fileira de guardas, quase iguais ao do portão, que aguardavam em formação de ambos os lados de um tapete vermelho que levava ao trono. O trono era uma enorme cadeira flutuante de gelo com assento confortável. O rei usava um capacete espelhado que cobria todo o seu rosto, segurava um cetro metálico com pontas e vestia uma armadura real com o grande ''i'' no peito.

Os dois hesitaram diante das alabardas, mas, cautelosamente, foram.

Tudo corria bem até o meio do caminho, até que todos os guardas, exceto os que estavam mais próximos a eles, cruzaram as armas bloqueando a passagem. O rei disse qualquer coisa e arremessou um bolinho recheado na direção das duas grandes estátuas de gárgula que ficavam nos dois lados do salão. Os guardas liberaram a passagem num movimento ritmado.

- O que lhes traz ao meu castelo?
- Queríamos saber onde fica o Centro do Universo.
- E qual é o vosso palpite?
- Bem, um tanto quanto para a esquerda.
- Muito bem, levem consigo este mapa. - entregou-lhe um mapa esquisito com informações esquisitas e galáxias desenhadas.
- Então ele nos leva ao Centro?
- Não, quem quer chegar lá tem que se provar digno, portanto este mapa indica o vosso desafio. Consigam o Grande Cubo, roubem a Chave do Portão Central, Matem os dois Guardiões, comprem um litro de leite e perguntem por Yohann.
- Esperava que essas coisas fossem mais fáceis.
- Boa sorte nessa jornada, lhes darei um presente antes que partam.

Dois unicórnios das trevas de bolso foram entregues aos viajantes, assim como espadas de Ferro de Netuno.

O Universo estava cansado e resolver desaparecer por um segundo, mas voltou.

- Será que podemos parar no caminho pra comprar alguns absurdos?
- Por que não?

O objeto no centro do UniversoOnde histórias criam vida. Descubra agora