Adoro a vista da janela do meu quarto.
Aqui sentado no estofado dela, me sinto fascinado com o jeito como as folhas dançam com o soprar do vento entre os galhos. É tão verde, bonito e sincronizado. O som que faz é reconfortante. Realmente uma obra prima natural pouco apreciada.
Daqui posso ver algumas crianças brincado na rua, elas jogam algum tipo de brincadeira idiota que consiste em metade fingir ser policiais e outra metade serem os "ladrões", tendo que se esconderem para não serem capturados e presos.
Me lembro dos meus dez anos, brincando de pique-esconde. Um garoto era o contador do tempo, enquanto eu e outras crianças nos escondíamos. Eu havia me escondido sozinho diferentemente dos demais que se agruparam em outros esconderijos, eu estava dentro de uma viela esburacada próximo da minha rua.
Uma pena quando ele me encontrou e saiu correndo na minha frente para tocar na parede e falar meu nome entregando que havia me achado, como o péssimo perdedor que sou, correndo logo atrás o empurrei, fazendo com que ele pisasse em falso em um dos buracos do solo e torcesse o tornozelo. Assisti-o ir de encontro ao chão e soltar um grito meio esganado, mas continuei meu trajeto aos risos até a parede e disse em plenos pulmões "um, dois, três, salve todos!". Estava super animado de ter ganhado o jogo, mas ninguém veio até mim para me parabenizar.
Estranhei a situação, e reparei que estavam todos se aglomerando próximo a viela que eu havia me escondido. Fui até lá, e me deparei com o garoto sentado no chão aos prantos segurando seu pé com as duas mãos, e todos estáticos falando um por cima dos outros, num emaranhado de vozes. Eu só pensava em o quão barulhentos e irritantes estavam sendo.
Em algum momento sua mãe veio, e ele lhe contou que eu havia sido o culpado por aquilo, mas prontamente com o meu melhor olhar inocente consegui me explicar, e lhe contei que não havia sido por mal, que apenas tropecei em meus próprios pés e esbarrei acidentalmente nele. Até lacrimejei um pouco os olhos para mostrar veracidade, mas que belo ator mirim que fui, dêem-me um Oscar por favor!
Adultos são tolos. Não sei se é mais fácil pra eles se fingirem de cegos e surdos em relação às suas crianças ou se realmente é tão simples assim de ludibria-los. E assim, sai impune e aquele bebê chorão com um gesso no pé por quinze dias. Desde então ele não mais ousou de me prejudicar em qualquer outra brincadeira. Bom pra mim.
Crianças são tão tolas quanto adultos. Se apegam a tudo e todos. Esperam sempre migalhas de carinho e atenção de qualquer um. Gostam de serem mimadas e protegidas do mundo real, e os pais sempre colaboram com isso. Entretanto, isso só funciona para alguns, por exemplo meu irmão mais novo o August, mesmo sendo cinco anos mais novo que eu, ele sempre teve coisas melhores, mais atenção, mais presentes...Tudo isso enquanto eu apenas deveria fazer meu papel de irmão mais velho e cuidar dele enquanto minha mãe e meu pai saiam pra encher a cara em algum bar qualquer e voltar no dia, ou nos dias seguintes.
Recordo que aos meus quatorze anos, o Gus ganhou um hamster de presente de aniversário. Enquanto que no meu, eu havia ganhado uma porra de uma bola. O que eu ia fazer com aquilo? Eu odiava - ainda odeio - esportes. Ela não durou muito, a furei com um saca-rolhas quando cheguei da escola, depois que meu professor havia me dado um F em educação física.
Um dia, andando pela sala de casa, senti pisar em algo meio macio e redondo por baixo do meu tênis. Ao levantar meu pé, notei aquela ratazana do meu irmão agonizando e estrebuchando silenciosamente no chão. Logo ele chegou correndo atrás de mim, chorando e gritando comigo por ter matado o "sr. Fofo" dele. Mas eu não havia matado nada. Ele estava vivo ainda, bem ali no chão. E aliás era só um hamster, qual a necessidade de toda aquela cena. Com certeza minha mãe o daria outro se esse fosse o problema.
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O MEU QUADRO (conto)
Short StoryConheçam um pouco do Kyle. Este é um conto de terror de minha autoria concorrente do #ConcursoMacabro de Halloween da @EditoraWhalien. Espero que gostem 🕸🎃🕸 14/10/21