Gato escaldado tem medo de água fria

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As respirações descompassadas eram o único som audível no ambiente. Os troncos desnudos dos dois jovens próximos da porta estavam avermelhados, repletos de arranhões e uma pequena quantidade de sangue em um ponto ou outro; ambos exalavam irritação.

Enquanto isso, na outra extremidade do cômodo estava um alto e assustado híbrido felino com as garras expostas e os pelos escuros das orelhas e do longo rabo eriçados. Seus dentes a mostra e o rosnando agressivo escapando de seus lábios eram uma óbvia ordem para afastarem-se.

— Já chega, Tral! – O menor dos três bradou exaltado, seu cenho franzido demonstrava claramente sua ira. — Eu vou pegar você, seu maldito!

— Eu já tô pouco me fudendo pra machucar você ou não, bastardo. – O ruivo ao lado não estava muito diferente, seu rosto em chamas com a raiva que o dominava. — Você vai entrar nessa porra a força, mas vai! Nem que eu tenha que te amassar pra isso!

Para quem os conhecessem não era de se estranhar o estado irritadiço e agressivo dos dois, todavia, era um tanto inusitado sendo o tratamento direcionado à Law, o híbrido de gato do lado oposto ao deles. Contudo, isso era facilmente explicável pela situação que o trio estava envolvido; sequer sabiam quantos minutos haviam gastado naquele banheiro tentando segurar o bichano fujão que, mesmo no cômodo pequeno para os três, havia se mostrado ágil em driblá-los, e tudo que ganharam naquele meio tempo foi as garras afiadas sendo cravadas sem piedade em suas epidermes.

— O que querem fazer comigo é tortura... Como podem dizer que me amam e tentar... Me obrigar à isso, idiotas!? – O felino recuava alguns passos com a respiração ofegante, embora não deixasse sua guarda baixa nem por um segundo. Claro, tal qual um animal acuado, encontrava seu meio de sobrevivência na defesa e, consequentemente, no ataque. — Eu já disse que não vou entrar debaixo dessa merda!

Três teimosos que jamais davam o braço a torcer juntos resultava em desavenças na certa, quando o trio firmou um relacionamento já estavam cientes disto. Entretanto, dessa vez, por mais inusitado que pudesse ser, Luffy e Kid haviam acordado e se unido contra o gatinho arredio. Assim, estavam em um impasse.

— Já dissemos que é pro seu bem, caralho! – Com o pavio curto, Kid era o que mais havia excedido seu limite de paciência, acumulando todo o estresse em seus punhos cerrados. — E nem tente apelar pro lado emocional que não vai funcionar.

— É, Tral, não vai funcionar. Depois disso você vai nos agradecer. – Luffy não ficava para trás na questão "pavio curto", todavia era consideravelmente menos agressivo que o ruivo; o que não poderia ser dito naquele momento, no entanto. Ambos compartilhavam o mesmo pensamento de socar o gato traiçoeiro.

Law, por sua vez, engoliu em seco ao vê-los se aproximar. Dessa vez nem estavam avançando na impulsividade, lhe dando a chance de prever seus movimentos. Estava se sentindo cada vez mais sem saída, afinal duvidava que seus arranhões tivessem o mesmo efeito surpreendente da ardência como antes, ainda mais com a adrenalina do momento.

A única alternativa foi continuar a recuar, só que isso não duraria eternamente e tão logo seu tronco despido tocava a cerâmica fria dos azulejos da parede, totalmente encurralado. Num sobressalto o híbrido se afastou do toque gelado em sua pele demasiadamente quente e sensível, e no mesmo instante os outros dois se aproveitavam para agarrá-lo de uma vez.

Agora já era tarde para uma fuga sucedida. Mesmo com os esperneios e insultos e arranhões que recebiam ambos o mantiveram preso entre os braços enquanto ligavam o chuveiro e enfiavam-no sob o jato forte e gélido de água, pouco se importando em se molharem junto a ele.

E aquele era a razão do impasse no lugar mais inoportuno: nada mais que um simples banho gelado, que o bichano se recusava a tomar enquanto Luffy e Kid estavam decididos a dá-lo a todo custo. Evidentemente uma questão pequena demais para todo alvoroço que causaram, porém aqueles três eram capazes de tornar tudo um grande acontecimento.

De toda forma, agora o impasse estava solucionado e muito bem resolvido, de certo modo.

[...]

Ainda no banheiro, o felino, mais ranzinza e mal humorado que nunca, tremia apertando os braços coberto pelo moletom quente. Queria que seu olhar pudesse matar, assim poderia assassinar qualquer um dos dois que insistiam em importunar suas orelhas.

— Elas são divertidas, ficam se mexendo quando eu passo a toalha, olha. – Luffy ria achando graça da anatomia alheia, enquanto retirava o excesso de água dos pelos da orelha e dos fios enegrecidos do moreno com uma toalha.

— Se não fosse essa cara de bunda eu até diria que está fofo, Trafalgar. – Com um sorriso de escárnio, Kid elevou um pouco a voz para sobressair o ruído do secador ligado e irritar o menor ainda mais.

Tudo que receberam em troca foi mais um olhar atravessado de Law, fazendo ambos rirem e o pobre gatinho querer aparar as unhas afiadas na cara dos dois.

— Ah, vai se ferrar, Law! Nós que saímos mais machucados, por sua causa, e nem estamos reclamando. – Era verdade, mas orgulhoso como era Law jamais admitiria, apenas desviou o olhar como se não fosse consigo quando o ruivo desligou o aparelho, passando a encará-lo. — Para de frescar.

Luffy, por outro lado, sorriu com a cena, vendo a solução para a irritação do felino facilmente alcançável. Levou uma de suas mãos à orelha felpuda, começando a acariciá-la enquanto a outra mão embrenhava-se pelas madeixas alheias num cafuné. Logo distribuía beijinhos pelo rosto emburrado, vendo-o se deixar levar, fechando os olhos. Sua risada característica ressoou pelo ambiente ao ouvir um leve ronronar do outro; havia pego-o em seu ponto fraco.

— Agora que você não tá mais com febre, não precisa tomar mais banho. – Mesmo rendido pelas carícias Law não deixou de fazer uma careta para ele.

— Eu não sou porco como você, Mugiwara-ya... Apenas não gosto de banhos frios.

— Mas os dois são ruins, Tral. – Devolveu a careta.

Kid não tardou em acompanhar o moreno menor, fazendo carinho na barbicha do mais velho, que voltava a fechar os olhos, inclinando o rosto em direção às mãos que o acariciavam.

— Eu vou ajustar o chuveiro pra você voltar a tomar seus banhos de água fervente de novo.

— Não era nem pra você ter tirado pra começo de conversa, Estauss-ya.

A careta agora foi do ruivo, que revirou os olhos para a reclamação alheia. Gato mimado do caralho, resmungou em pensamento. — Você faz jus à expressão gato escaldado tem medo de água fria, literalmente. – E sorriu jocoso.

Luffy riu alto com o comentário, acompanhando o ruivo e abraçando o gatinho que agora os encarava com tédio.

— Vocês são péssimos em cuidar de um doente.

— Larga de ser reclamão, Law. – O ruivo cessou as risadas, se pondo em frente ao moreno, sentado sobre o vaso com as pernas cruzadas, com os braços estendidos num convite. — Vem.

Ainda emburrado o menor acatou o pedido, passando os braços pelo pescoço do que segurava suas pernas, mantendo-o suspenso no colo.

Em seguida foi a vez de Luffy, que, de supetão, pulou nas costas do ruivo parrudo, rindo com a quase queda que causou e os insultos proferidos pelo mesmo.

— Vamos assistir filme e comer pipoca enquanto você melhora. – Comentou antes de depositar um selinho rápido nos lábios de Law.

— Eu não te chamei, desce daí, Muguiwara!

— Shishishi, você é forte, Gizao. – Comentou apertando os ombros largos onde se apoiava, sorrindo largamente. — Vamos! Vamos!

— Ca-cala a boca, desgraçado!
Quando as bochechas do ruivo ficaram incrivelmente tão vermelhas quanto as suas madeixas pelo elogio, ambos os morenos riram do estado alheio. Logo os três seguiam para o quarto, como de praxe, ao som de risadas – ou gargalhadas de Luffy – e algumas reclamações aqui e acolá.

Embora o impasse entre eles tenha resultado em algumas feridas e estresses, ali, deitados juntos sob o cobertor grosso enquanto assistiam a um filme qualquer, já nem se importavam mais com ele. Afinal de contas, por mais teimosos que fossem, tudo que faziam era para cuidarem uns dos outros.

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O gatinho Tral em o impasse do banheiroOnde histórias criam vida. Descubra agora