Capítulo Único

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Jack acordou com um balanço lento e enjoado. Sua cabeça doía. Parecia estar perdido na escuridão, até que seus sentidos foram voltando. Cheiro de madeira podre. Barulho de água, suave e insistente. Tentou abrir os olhos, mas suas pálpebras estavam pesadas. Aquele balanço fazia sua consciência voltar para o estado sonolento, mas forçou o cérebro treinado a se concentrar. 

Respirou fundo, reunindo forças, e percebeu que o odor da madeira não era a única coisa putrefata no ar. E era um odor que ele conhecia muito bem. 

O cheiro ao mesmo tempo doce, amargo e rançoso de corpos em decomposição. 

Um tranco sacudiu seu corpo e finalmente conseguiu abrir os olhos. Pelo cheiro, achou que estava de volta ao campo de batalha, mas algo estava errado. 

Olhava para um céu noturno sem lua ou estrelas. Estava deitado no chão de um barco tosco de madeira, sentindo o balanço moroso da água. Percebia à sua volta vultos que não conseguia distinguir e, na proa do barco, alguém encapuzado que parecia estar remando. Na frente do barco havia uma lanterna, a única fonte de luz disponível. 

Levantou-se devagar. Sua cabeça ainda doía – uma pontada aguda de dor na nuca. Seus olhos foram se acostumando à luz tremeluzente da lanterna e ele conseguiu ver o barco com mais clareza. Era pequeno, para no máximo dez pessoas, e havia quatro – ele, o barqueiro e mais duas pessoas. Do lado esquerdo, uma velha coberta por um manto esfarrapado que balbuciava em uma língua estranha. Do outro lado, um homem negro de barba grisalha fumava um cachimbo. Ou pensava fumar, pois não havia fumaça alguma saindo dele. 

A luz da lanterna só permitia enxergar alguns metros fora do barco. Olhando para trás, não conseguia ver de onde vinham. Na linha do horizonte, porém, via uma série de luzes difusas e fantasmagóricas. Parecia uma cidade pequena, de onde se aproximavam cada vez mais. Aquilo não lhe causou uma boa impressão. 

Conseguiu se sentar e segurou as bordas do barco com força, apertando a madeira velha até seus dedos doerem e as farpas entrarem na pele, para ter certeza de que não estava mesmo sonhando. 

– Para onde estamos indo? – sua voz saiu rouca. Ninguém respondeu – Ei! – ele limpou a garganta e falou mais alto. – Barqueiro! Para onde vai este barco? 

O vulto encapuzado nem ao menos olhou para trás. Mas Jack ouviu uma risada vindo do seu lado direito. Era o velho com o cachimbo. 

– Todo mundo sabe para onde o barco vai – ele continuava olhando para frente, sem olhar diretamente para Jack. – Para o lugar de onde ninguém volta. 

Aquela frase causou um calafrio na espinha de Jack. 

– O quê? 

 O velho soltou uma baforada de ar do cachimbo apagado. 

– Tem gente como eu que espera há muito tempo pela travessia. Você acabou de chegar e ele passou você na frente – apontou o barqueiro com a cabeça. Tem quantos anos, filho? Trinta? 

Olhou novamente para o barqueiro, que continuava remando, imperturbável. A velha do outro lado continuava falando sozinha. Jack sentia um incômodo, uma certeza que queria negar, enquanto forçava seu cérebro a lembrar o que tinha acontecido. Seu coração estava acelerado e ele sentia um suor frio brotando dos poros. Respirou fundo aquele ar fétido e sentiu um embrulho no estômago. Precisava focar o pensamento. 

Havia voltado para casa. Deixara a guerra para trás. Então, por que estava naquele barco com aquelas três figuras estranhas? No horizonte, as luzes tremeluzentes pareciam mais próximas. Para onde quer que estivessem indo, deveriam chegar logo. Sua nuca voltou a doer. 

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