Como todos nós, os santos e os anjos inclusos, Edmundo do Semblante de Farofa diagnosticava-se pelo sábio Dr. Google.
Já creu ter: nevralgia do trigêmeo, timoma, facite plantar, púrpura melancólica, gastrite atrófica, febre de Oroya, leishmaniose, endometriose (!), diversos tipos de câncer, QI acima da média, entre outros.
Em consultas com médicos do mundo real, em 97% das vezes era: virose. Nos 3% restantes, nada.
Edmundo do Semblante de Farofa não se conformava. A aflição por saber que seria, mesmo até agora não sendo, acometido por um grave piripaque era condição de vida.
Bastava procurar deveras para encontrar algum defeito.
Hoje, recém-desperto, cheio ainda de remelas na vista, apanhou o telemóvel e bateu com os polegares:
Pontada pujante no peito
Do outro lado do espelho, no mundo de Alice tomado de conta pelas megacorporações invisíveis, Dr. Google recebeu a aliteração e pensou em quatrocentas e cinquenta e sete mil possibilidades.
Estafado, entretanto, de ser tão requisitado por desimportâncias constantes cultivadas na horta criativa do cérebro em looping paranoico de Edmundo do Semblante de Farofa, Dr. Google cravou:
Peido indeciso
Que cazzo!, gritaram surpresos os neurônios do nosso protagonista de estranho nome.
Julgou vulgar os modos inéditos do médico virtual. Outrora sempre atencioso e mesmo gentil com as palavras, o que se passava? Dr. Google estaria, este sim, sucumbindo para um vírus?
F5, Ed insistiu.
Não teime, chato hipocondríaco, respondeu Google Doc.
Não sou hipocondríaco, não! — com ponto de exclamação e tudo, digitou agitado. E apertou raivoso o enter.
Réplica:
Você se considera hipocondríaco? Segundo o Manual de Transtornos Mentais, publicado pela Associação de Psiquiatria dos EUA, trata-se de uma condição que leva as pessoas a acreditarem que estão com uma doença grave.
Insolente!
E o Dr. Google, em vez de rebater, listou vinte cinco páginas de resultados sobre o termo. É melhor não contrariar os loucos, pensou lá com seus circuitos.
***
Ed Farofa resistiu até as 12h56 do dia seguinte. Injuriado pela forma com que fora tratado, havia decidido dar um gelo no Dr.. Apagara até o app.
Desde então, sem perceber, comeu mais do que de costume para conter a ansiedade, tomou banho tarde — e foi nanar de bucho cheio e cachos molhados.
Amanheceu zuado, parecendo peão pisoteado pelo touro do rodeio, de tanta dor em tudo quanto é parte, da ponta do topete à cutícula do mindinho do pé direito.
Mas, era cabra da peste, de opinião, brabejou e lutou toda uma manhã. Fez um chá de camomila, calibrou com um ibuprofeno 600mg, mandou para dentro e quietou derrubado no sofá.
Sentiu frio, se cobriu. Sentiu calor, tomou água com três pedrinhas de gelo. A garganta começou a raspar. Veio tosse. Entupiram os buracos do nariz e a vista foi ficando baixa, baixa, baixa feito farol de neblina quebrado.
Deus meu, estou morrendo!
Agarrou o celular, reinstalou o Dr. e digitou como quem pede clemência:
VOCÊ ESTÁ LENDO
DORMEM OS LEITÕES FELIZES
Short StoryComo todos nós, os santos e os anjos inclusos, Edmundo do Semblante de Farofa diagnosticava-se pelo sábio Dr. Google.