A Clareira Torta

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 Com o final de setembro chegando, o fim do inverno também se aproximava. Faltavam apenas alguns poucos dias até a primavera, para alegria dos moradores de Praça e tristeza dos vários casais apaixonados que vinham de fora para ter um momento romântico em umas das poucas cidades do Brasil onde a neve se mostrava presente

A cidade de Praça estava, em média, a 1,3 mil metros acima do nível do mar, o que fazia dela uma cidade onde nevava. A essa altura do ano, os flocos já não caíam mais e os que residiam no chão começavam a derreter. A chuva ainda vinha com certa frequência, mas o frio de fazer os ossos trincarem não era mais tão presente.

No orfanato Augusto&Abigail, Rua Leste, a velhota diretora Carlota Doravante, de cabelos brancos, embaraçados feito palha de aço, rosto redondo e brilhante de suor e muito corpulenta, devorava um bolo de chocolate inteiro em sua sala; a mais aconchegante do orfanato, e também a única que podia ser assim descrita.

No térreo, quarto 7, fila do meio e cama de baixo, Cornélio Augusto, um garoto de 13 anos, magro, de grossos cabelos castanhos e rebeldes, pele parda e olhos chocolate, que guardavam em seu interior muito sofrimento, observava a armação da cama de cima e seu colchão mofado e sem lençóis, pensando que ainda lhe faltavam bem uns dois meses para o fim das aulas, mas a proximidade da nova estação já era um grande alívio para ele e para todos os moradores do orfanato, onde o único cômodo em que estar do lado de dentro e do de fora, a mercê do frio, chuva e neve, não pareciam a mesma coisa, era o da sala da bruxa e mocreia, diretora. As crianças do orfanato eram alguns dos poucos habitantes de Praça que não achavam o fato de nevar tão legal assim, e com razão, já que eles mal tinham com o que se cobrir durante todo o inverno.

Ainda encarando o colchão da cama de cima, Cornélio só pensava no quanto seria bom poder passar o que quer que Carlota estivesse comendo, já que era só isso que ela sabia fazer, além de atormentar a vida das crianças dali, é claro, em terra suja e lixo. Aquela velha não se importava com ninguém no orfanato, e tudo que qualquer um ali queria era ir embora daquele lugar sujo e nojento.

Longe dali, numa parte da mata que rodeava a estrada que era caminho até fora da cidade, alguns amigos estavam reunidos para acampar. Eles não eram da cidade e teriam que ir embora no dia seguinte, então queriam aproveitar um pouco sua última noite ali.

- Auuuuu!

Sobre uma pedra, atrás de um tronco caído, encolhido como um lobisomem sobre as patas traseira, Marcus Jasiel Rosa; um garoto de 16 anos, alto, magro, de pele bronzeada e com baixos e lisos cabelos castanho escuro, uivava para lua entre uma pausa e outra da sua história, nada assustadora, sobre lobisomens:

- Ele uivou, a procura de sua próxima vítima!

Lilian Walter, ou Lilá, como gostava de ser chamada, uma garota alta, morena, de 17 anos, com cabelos encaracolados, que iam do marrom na raiz ao loiro nas pontas e Thomas Thiago, um rapaz de 18 anos, cabelos castanhos claros, barba rala com várias falhas e de físico esportivo, nem ao menos prestavam atenção no amigo; os dois se beijavam como um casal de adolescentes apaixonados, exatamente o que eles eram. Arthur Antonio, garoto de 17 anos, baixo, ruivo e sardento, com élficas orelhas pontudas, atiçava a fogueira no centro da clareia e dos troncos-bancos com um graveto, que começava a fumegar e diminuir de tamanho, devorado pelas labaredas de fogo que se erguiam do chão.

- Ah... Ai - Anna Carloz, uma garota de 16 anos, cabelos pretos e pele branca, que parecia uma sósia da Branca De Neve, com as bochechas ruborizadas pelo calor das chamas da fogueira, dona de uma boca pequena e de um nariz arrebitado, agarrada ao braço de Artur, se debatia desconfortavelmente no tronco de madeira que dividia com o namorado, do lado contrário da fogueira ao de Thomas e Lilá. - Essa coisa machuca!

Trio Amaldiçoado e o Homem TortoOnde histórias criam vida. Descubra agora