Um fio de esperança

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A floresta ficava cada vez mais densa a medida que adentrava, mas pelo menos não estava mais ouvindo o som de tochas queimando ou as vozes raivosas me procurando. Já fazia dias que havia fugido, não era meu desejo mas por causa da cor de meu cabelo... Me consideravam uma "cria do inferno", me chamaram assim várias vezes durante minha vida, tudo era motivo para ser comparada a uma bruxa, por correr mais rápido que as outras meninas, escalar ou ser mais astuta... Um dia eles se aborreceram por eu ser apenas, melhor.

Papai havia chegado diferente de seu trabalho no campo, seus olhos estavam frios, ele me olhava como se eu fosse algum tipo de animal prestes a ir para o abate. Mamãe também estava distante, por mais que ela sempre tentasse me proteger, sempre senti falsidade em suas palavras. Como na vez que apanhei das outras meninas por ter chamado atenção de um garoto que nem mesmo conhecia, ela apenas disse "você não devia se envolver com essas meninas, elas não gostam muito de você, devia sair menos meu bem", isso não soou como algum tipo de alento para o ocorrido a mim, apenas me magoou ainda mais. Ambos se olhavam de maneira estranha, como se estivessem combinando algo, oque me assustava, eu sabia sobre as meninas desaparecidas da vila vizinha, as outras pessoas diziam para nós que haviam sido pegas por lobos, mas eu sabia a verdade.

Naquela época os clérigos da cidade grande haviam estipulado uma recompensa a qualquer um que entregasse uma bruxa, quanto mais "evidências" melhor era a recompensa. Muitos entregaram conhecidas, irmãs e até mesmo suas filhas na esperança de receberem a tal recompensa e melhorarem de vida, não demorou para que esse hábito chegasse a nossa vila. Eu temia por minha vida, sabia que por causa de meu cabelo ruivo e de tudo que consideravam "anormal" vindo de mim, era questão de tempo até que me entregassem a fogueira e eu não iria esperar por isso.

Ainda na mesma noite, havia juntado alguns poucos grãos e um odre para água de baixo da minha cama, eu iria fugir, mesmo sem saber para onde ir, essa era a melhor opção. A época da tormenta estava se aproximando, eles não iriam esperar muito mais para obter a oportunidade de ter ganhos comigo. Assim que senti que era seguro, me levantei de forma silenciosa e peguei minhas coisas, vesti meu vestido mais quente e então sai pela janela do quarto, estava tão escuro e gelado que mal podia sentir meus dedos. Caminhei pela vila evitando a estrada principal e também os focos de luz, foi quando então percebi, antes de conseguir chegar na saída, tochas vindas da estrada à fora em direção à vila. Ninguém nunca havia vindo tão tarde assim antes, me escondi entre os fenos do estábulo que estava próximo, podia observar eles dali, eram quatro homens em cavalos, dois deles usavam túnicas como os homens que trabalhavam para a igreja da cidade, dois eram soldados. Claramente vieram me buscar.

Estava preocupada com a possibilidade de me encontrarem ali, as histórias que ouvi não eram nem um pouco animadoras. Não demorou muito para que seguissem pela estrada até chegarem a porta de minha casa, nesse momento meu coração congelou, não apenas por saber que estavam atrás de mim, mas por ter a certeza de que meus próprios pais haviam me vendido em troca de algumas moedas. Segurei o choro que me subia pela garganta e logo continuei meu caminho. Sai o mais rápido possível dos limites da vila e corri pela estrada, pude ouvir quando papai gritou meu nome, ele parecia furioso, mas o desespero me tomou conta quando ouvi o som dos cavalos vindo para a direção a qual eu havia seguido. Meu coração havia acelerado e eu não pude mais segurar meu choro, só de pensar no que poderiam fazer comigo caso fosse pega...

Não pude pensar direito em minhas ações, apenas corri em direção a floresta o mais rápido que pude, corri em meio as árvores e aos galhos que haviam no chão, o desespero e o medo me dominavam completamente. Após correr por algum tempo me escondi atrás de troncos caídos ao chão e respirei, ainda não acreditava no que estava acontecendo, olhei para o caminho que havia vindo e pude observar, bem ao longe alguns pontos de luz vindos das tochas daqueles homens, novamente senti o medo percorrer minha espinha enquanto voltava a correr pela floresta sem rumo. Por muito tempo segui sem nem olhar para trás, acabei perdendo minha pequena bolsa com os suprimentos que havia pego, assim também rasguei meu vestido nos galhos e perdi minhas sandálias na escuridão, porém nada disso me preocupava naquele momento, eu só queria fugir, fugir daquele destino cruel que me foi dado.

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⏰ Última atualização: Oct 22, 2021 ⏰

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Tormenta carmesimOnde histórias criam vida. Descubra agora