Non ti scordar di me...

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À noite, deitada em sua cama, a menina pensava. Por vezes chorava recordando momentos em que severas palavras lhe cortaram o coração... chegaram a alma.  O que mais doía era saber que vieram de sua própria família.
A história... vou te contar:
Uma garota cheia de sonhos, que vivia imaginando seu belo futuro: ser médica oncologista. Para crianças, é importante lembrar. Ela sonhava em trabalhar ajudando crianças. Isso viera a partir de reflexões da vida.
Um dia ela se viu sem saída. Ouviu gemidos num quarto escuro; gemidos desconhecidos até então. Infelizmente ela descobriria mais coisas que tornariam sua vida diferente para sempre.

Na mesma semana, a garota, após as brincadeiras, entrou nos aposentos de um tio; ele tinha colecionado muitos DVDs em sua estante, e como era sozinho ali, não havia motivos para esconder aquele conteúdo muito adulto. Foi então que ela viu em uma daquelas capas a primeira imagem de conteúdo impróprio para alguém tão jovem como ela. Uma pornografia.
Logo ficou espantada e curiosa ao mesmo tempo, pois é assim que crianças ficam quando desconhecem algo que veem. Durante aquela noite, a menina ouviu aquele mesmo som de dias atrás... eram gemidos, que agora ela desconfiava serem da mesma origem das imagens nas capas de DVDs.
Era muito esperta. Começou a prestar atenção nos sons.
Muitos dias se passaram e cada vez mais ela se habituada àquilo. Chegou a comentar com uma colega de classe o que viu e ouviu, então sua colega lhe explicou com detalhes não tão comuns o que significavam todas essas coisas, e isso fez com que a menina quisesse saber mais... era só mais uma garotinha curiosa. À noite em seu quarto que, por coincidência (ou não) era o mesmo de seus pais, ela ouviu novamente os tais gemidos, que sabia agora, serem por algo chamado sexo.
Ela tinha consigo um ursinho de pelúcia preto, que, a partir daquela noite, seria sua primeira experiência sexual.

Durante seus pensamentos, ainda deitada na cama,  ela chorava por sentir-se não querida e até uma pessoa fria, o que não era seu desejo; esses dias mesmo lhe acontecera algo bem desagradável e que lhe fizera chorar amargamente. Não queria que fosse assim. Era tão esforçada na vida, tentava ao máximo não tratar mal as pessoas, tentava ajudar em casa e nunca obtivera sucesso. Parecia que nada disso adiantava.
Nesse exato momento, a menina olhou um movimento da avó, que estava ao seu lado, talvez estivera chorando por uns minutos, logo a neta observou piamente que deveria ajudar sua avó, não que permitisse seu pranto; será que a avó chorava porque a menina não estava fazendo o seu papel? Isso não era para acontecer. A menina precisava fazer algo para que isso não mais ocorresse. Porém estava confusa, imaginava o dia em que se casaria e logo teria que deixar sua avó, que, quiçá, sentiria sua falta? Lamentava, pois queria ser querida.
Pensou no seu amado, com quem se casaria em breve, inclusive, faziam planos; e nesse mesmo instante, as palavras duras de sua mãe lhe ecoaram aos ouvidos. "Não fala nada comigo e acha que vou ajudar em alguma coisa? Pode esquecer! De mim você não vai ter ajuda nenhuma!"
Pobre menina... o que fizera de tão cruel à sua família para receber tal ato de desamor e desafeto?
A menina, apesar de tudo isso, amava sua mãe. Não queria que fosse assim.

Suas memórias, novamente voltaram àquela época em que seu ursinho preto passara de fofo para perverso, quando diversas vezes ela se sentiu prazerosa com ele de encontro à sua intimidade. Infelizmente essas lembranças lhe faziam mal, eram coisas que lhe atormentavam desde que percebeu que não eram bons atos. Sua adolescência estava fundada em torno disso.  O sentimento de culpa desde cedo lhe corroía a mente.

Ainda deitada, se via triste. Será que todo o que se passava nesse momento de sua vida era resultado de tudo o que fizera sem malícia na infância? Castigo talvez? Não se sabe. No entanto, era triste.
Ela vivia atormentada por seu tenebroso passado que, para ela, fora um desperdício, um erro gritante! Algo que lhe custou e custa até hoje. Era uma garotinha inocente e se tornou impura, viciada, perversa.

Crescera sendo fria. sabia disfarçar seus sentimentos. Sempre que acordava para um novo dia, vestia sua roupa, que todos conheciam: a da nostalgia, da alegria; e a máscara da felicidade.
Todos quantos lhe conheciam, viam alguém humilde, simples e feliz. Alguem que não se importava com as afrontas, que tinha uma força inabalável. Não chorava na frente de ninguém, pois não era triste. Espalhava alegria, brincava com todos e sorria. Mas por dentro... o cenário era outro. Menina reprimida. Chorava escondida, no escuro. Sentia dor de quem é desprezado; então se apaixonou pela primeira vez... sua família não os aceitava juntos; mandavam a menina lavar as louças, a casa, aprender a cozinhar... "Não era isso que queria? Se casar? Namorar e ser esposa?". Enquanto os mandatos eram dados, ela gritava por dentro, chorava sem som algum. Será que não podia apenas ter um "romancezinho" normal com alguém sem que precisasse ser obrigada a fazer muitas tarefas de casa? Isso era o cúmulo! Ficou revoltada, mas se calou... era só mais uma menina apaixonada.

Agora a garota se levantava para tomar água, mas seus pensamentos estavam turbulentos, será que dormiria essa noite? Voltou para seu aposento e algumas lágrimas que se formaram em seus olhos queriam insistentemente rolar por seu rosto pálido. Fazia um esforço enorme para não acordar sua avó, que agora roncava levemente de cansaço. Outro flash engatilhou sua mente: suas irmãs, que por vários momentos, discutiam e se apelidavam maldosamente... é claro que era uma confusão para saber quem faria tal coisa em casa e, advinhem... sobrou para a menina, que cheia de remorso ia fazer com a expressão de quem não se importava tanto.
Será mesmo que sua família amava? Chamar sua atenção era de praxe. Ela fingia não sentir; aquela garotinha doce sumira com o tempo, dando lugar a uma pessoa neutra. Agora sorria na escola, na igreja, em todos os lugares que não fossem sua casa. Ali, era fechada. Guardava seus segredos, suas amarguras e todo o resto. Se mostrava neutra diante de tudo. Ao menos isso parou de disfarçar em casa: sua expressão.

Essas recordações a faziam se questionar se, quando fosse embora, sentiriam sua falta. Estava almejando sair de casa para que não fosse mais "só   mais uma pessoa em casa" como uma visita, ou melhor, alguém indigno de carinho. Talvez se casando tudo isso não lhe faria mais chorar num canto escuro à noite.
Não se casaria para fugir apena, mas porque encontrara alguém que lhe fazia bem, que lhe dava carinho e amor. Alguém que, sempre que ela precisava, lhe estendia a mão, ajudava; e até mesmo esse não parecia ser muito bem aceito pela família. Ela chegara a se perguntar onde estava o problema: nela, no rapaz ou na família dela? Não era possível que nem mudando de personagem a confusão continuasse. Ao menos esse rapaz fora um amigo antes de tudo, e isso permitia aos dois um bom relacionamento. E sem segredos.
Ele sabia. Sabia dos segredos da menina e não ficou chateado; com isso ela se sentiu segura. Tinha alguém com quem compartilhar seus temores. Ele a ajudava sempre. Ela pensava nisso e sabia que não seria apoiada, como fora sua irmã quando engravidou de um namorado. A mãe até ficou zangada, mas apoiou. Porém, no caso do casamento da menina, que desde a infância descobrira o prazer e mesmo assim nunca se deitara com homem algum, a mãe era contra. O pai, construtor, mau ajudaria com a casa, pois segundo ele "os dois tinham "que "dar seu jeito". Irônico demais vindo de alguém que morou de favor na casa da sogra quando se casou. Ao menos a menina e seu namorado tinham uma casa para morar, ainda que precisasse de ajustes.

Resumindo, as irmãs da menina viviam em discussão com ela, a avó preferia sempre a mais nova das netas, a mãe não quis dar palpite em nada do namoro e não aprovaria o casamento aparentemente, e o pai, tão arrogante, dizia hipocritamente que os dois deveriam se virar para conseguir o que queriam.
Mas no final das contas, a menina tinha medo de sentir falta. Falta dessa família escarnecedora.

Durante todo esse tempo imaginava o quão pecadora havia sido e quão culpada era por todas as coisas que estavam acontecendo... era só mais uma menina medrosa e confusa.
Será que estava certa?
Será que era paranóica?
Será que no futuro tudo se acertaria?

Voltava ela a contar durante a noite, com um misto de sensações. Era raiva, ódio, rancor, tristeza, medo, arrependimento antecipado, ansiedade... suas lágrimas então pingaram em uma palavra que escrevia...
Será que você consegue vê-las, leitor?... era só mais uma menina que escrevia sua história num caderno velho...

Realidades Ocultas: Non ti scordar di meOnde histórias criam vida. Descubra agora