QUINZE.

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Depois de me despedir de Luke com dois beijinhos na bochecha ontem, a apreensão ainda tomava conta do meu peito. Eu engolia a saliva repetidas vezes no banco de trás do Uber, enquanto torcia para que as músicas do rádio me distraíssem, mas um nó continuava preso em minha garganta, atrapalhando a respiração e amargando o sabor em minha boca. Não mais sentia o sabor do whisky ou do álcool que compõe o perfume de Luke, apenas um gosto de fel tomando meus lábios, como se sangue escorresse da minha gengiva.

Quando cheguei em casa e as ruas não mais ocupavam minha atenção, minha mente começou a trabalhar as memórias daquela tarde na mansão do astro — ela reforçava a clássica ideia do estrangeiro que se muda para os Estados Unidos buscando o american way of life, toda branca com uma arquitetura de colonizador moderno. Mas além dos detalhes da casa de Luke, que eu pensei não ter prestado atenção até agora, minha cabeça não deixa nem por um segundo de reprisar cada uma das falas do cantor, enquanto sinto a água do chuveiro bater quente em minhas costas e vejo pela janela do banheiro embaçada o céu se iluminar pelo sol.

Lembrar do tom embargado de sua voz falando sobre ele ser um desastre e da intensidade de seu olhar, traz de volta a sensação de nó na garganta e aperto no coração.

Balanço minha cabeça pela centésima vez, a fim de ignorar todo o drama que Luke Hemmings está tentando me envolver, e tento focar na música que toca na minha caixinha de som à prova d'água.

"Natureza Caos", do Fresno, foi lançada recentemente e não sai do meu repeat, por isso, em poucos dias, aprendi a letra e já sei cantá-la de trás pra frente.

Não é como se eu tivesse a melhor das vozes, mas uma moça do orfanato sempre me dizia que "quem canta seus males espanta", então eu vivo cantando no banho porque o meu mundo fora das quatro paredes úmidas pelo vapor do chuveiro está sempre cheio de males que eu prefiro enfrentar depois. Com os anos, eu aprendi que espantá-los nunca dura por muito tempo.

— Mas custo admitir que eu não sou capaz de aceitar que nossa natureza é o caos. — Cantarolo junto de Lucas Silveira.

Por um milésimo de segundo meu cérebro me leva a Luke, mas eu aperto meus olhos e encosto a testa na parede do chuveiro, enquanto giro o registro para fechar a saída de água. Respiro fundo e me recomponho.

Quando me sinto confortável dentro de roupas quentes, vou à cozinha encontrar Hanna para prepararmos o café da manhã.

Desde que nos unimos, os cafés da manhã de aniversário são mais importantes do que o restante do dia, porque, mesmo quando a data de hoje cai em um dia de final de semana, é o único horário que temos certeza que as três estarão livres para fazer algo juntas.

Isso dava bastante certo na época da escola, mesmo quando eu tinha que acordar um hora antes que o normal, e continuou dando certo na faculdade, mesmo quando eu não dormia por ter farreado a madrugada anterior inteira e tinha que ir correndo para a aula depois de um café via chamada de vídeo.

— Feliz Halloween! — digo animada ao entrar na cozinha e encontrar Hanna já no fogão.

— Feliz Dia das Bruxas! — Ela devolve, em português.

Além de ser aniversário de Monique, nessa mesma data, os estadunidenses comemoram o Dia das Bruxas, o que sempre facilitou bastante na hora de escolhermos o tema da festa. É por isso que todo ano minhas mães são responsáveis por dar a melhor festa de Halloween do nosso bairro. A casa começa a ser decorada com dias de antecedência e para algumas pessoas mal há necessidade de enviar convites, todos os amigos delas já sabem onde vão se encontrar na noite mais horripilante do ano, após levarem seus filhos para pegar doces e colocá-los para dormir.

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