Capitulo 6

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Aqueles corredores não tinham fim. Andei por um, por outro, por outro, e por outro... sem sucesso em chegar ao quarto. Praguejei internamente, desejando ter engolido o orgulho e pedido ajuda aos últimos guardas que vi, ou a algum serviçal que me olhou de relance. A quanto tempo eu estava nesse labirinto? Dez minutos? Duas horas? Meus pés corriam de um lado para o outro, o barulho do par de botas ecoando pelas paredes que agora eram de madeira.

Eu só queria ir para casa. Mas, afinal, onde ficava esse lugar? Para onde eu estava correndo? Talvez casa não seja um lugar. Madraya. Essa poderia ter sido minha casa. A menina dos sonhos teria sua mãe como casa. Maly. Ele foi minha casa. Uma constante em minha vida, o menino que me afeiçoei em Keramzim e não consegui deixar para trás.
 
Madraya morreu. Maly se foi. A realização se esgueirava em meu peito, acompanhando as batidas do coração. Não havia lugar para onde ir.
 
Entrei o mais rápido possível na primeira porta aberta que vi. A sala tinha estantes escuras que se estendiam até o teto, contrastando com livros de todas as cores imagináveis. Dei um giro por completo, procurando por alguém, alguma coisa — qualquer coisa. Só havia eu, os pelos arrepiados de meu braço nu, o peso da minha mente e incontáveis capas duras lado a lado. Por que a biblioteca estava vazia? Não parecia abandonada.
 
Eu estava no Pequeno Palácio? No Grande Palácio? Mais provável o primeiro, eu tinha uma vaga lembrança de ter ido pelo caminho dos servos ao lado da grande porta que separava os terrenos, na esperança de passar desapercebida. Um som amargo subiu pela garganta, entre uma risada e um grunhido incrédulo. Eram palácios. Eu deveria estar sorrindo. Teria açúcar, chá quente, uma cama macia para dormir, um lugar bonito para olhar. Mas no final, eram pensamentos que levavam a outros. A luz veio, ela veio de mim. Eu tenho que ser Grisha.
 
Meus dedos correram pelas fileiras de livros. Sem poeira. Sem ranhuras. O inebriante cheiro do papel não gasto. Me arrisquei a pegar um, sua cor roxa saltando aos meus olhos.“O MISTÉRIO DOS OSSOS”, dizia a capa. Lá estava um mapa na primeira página, um completo mapa de Ravka. Alguma parte cartógrafa em mim se agitou na superfície. Ossos. Tsibeya. Linces. Ursos.
 
O urso de Ivan. Durante a viagem, vi em Ivan as garras que ele carregava no pescoço orgulhosamente. Um amplificador. Ossos de animais específicos  fundidos a um Grisha, aumentando seu poder.
 
— Você tem que merecer tamanho poder. Só os próximos ao Darkling conseguem — disse o sangrador entre o balançar da carruagem.
 
Meu cenho se franziu com a memória, virando a página. A imagem de Sankt Ilya e seus grilhões me esperava. “O mestre dos fabricadores criou a expansão do poder Grisha de forma ainda desconhecida.” O santo era um fabricador, Grisha?

Corri os olhos linhas abaixo. “Há discussões se os raros amplificadores humanos também seriam obras suas. Desde os tempos de Ilya, a morte do amplificador em questão deve ser feita por quem tomará seu poder, sem isso os ossos se tornam inúteis. E, uma vez que um Grisha tenha expandido suas habilidades, com o uso do amplificador vem a força, um horizonte potencial alargado. Décadas podem ser adicionadas de acordo com tamanho do poder Grisha adquirido”, dizia o texto.
 
Com um estalo, fechei o livro. Também me lembrei claramente de Fedyor tentando me explicar sobre o líder do Segundo Exército ser um amplificador vivo. Já houve algum Grisha mais poderoso do que o Darkling? Talvez o Herege Negro. A Dobra era a única coisa que parecia mais poderosa do que ele. Me ocorreu que seu poder era inútil nela. Qual seria a idade do homem que a pouco eu segurava o braço?
 
Minha cabeça já zunia com tantas coisas “Grisha" em mente. Já havia passado a hora de voltar para as paredes azuis e marfim. Talvez eu até conseguisse achar Genya para me ajudar.
 
— Alina Starkov — uma voz grave e rouca, como se estivesse a dias sem água me chamou.
 
O frio em meu corpo sem o casaco do uniforme aumentou. O cheiro de mofo, cinzas e algo mais invadiu minhas narinas. Me virei, vendo o mesmo homem que estava no palanque ao lado do rei na minha frente. Eu não estava conseguindo chegar a meus aposentos sozinha, mas na hora soube que esse seria o último homem no mundo a quem pediria ajuda.
 
— É uma honra encontrá-la.
 
— Eerr... obrigada — ofereci, trocando o peso de meus pés. Ele sorriu, seus grandes dentes amarelos me fazendo estremecer.
 
Ele era uma mancha preta espreitando minha visão, seu longo manto arrastava no chão. Suas roupas lembravam as capas de um dos sacerdotes de onde cresci.

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