Capítulo único

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O visitante

Pricila Elspeth

Era uma noite fria, chuvosa e solitária. Valdemar estava sentado à mesa, sozinho, olhando para o fundo da tigela de sopa enquanto movia uma colher pelas bordas do recipiente. Os estrepitosos trovões e a fulgurosa tempestade não o atraia mais com a mesma intensidade que na adolescência.

Olhou a foto presa na geladeira e suspirou pesadamente. A luz falhou por alguns segundos e voltou de imediato, ao mesmo tempo em que alguém batera a sua porta. Valdemar não esperava ninguém, ainda mais àquela hora da noite.

Entreabriu a porta e espiou para fora, entre os flashes azulados constantes das descargas elétricas celeste ele viu um rosto amigável, desconhecido, porém amigável.

— Boa noite, posso entrar? — perguntou o homem de bela aparência.

— Boa noite. Quem é você?

— Ora, tu me conheces muito bem.

Valdemar ponderou sobre aquela afirmação, mas não conseguia lembrar-se daquele homem. O sorriso alvo e implacável permaneceu fixo no rosto quadrado e coberto por gotículas d'água. Sentiu emanar daquele cidadão uma aura boa, confiável e por mais que o desconhecesse, o deixou entrar.

Ambos caminharam até a cozinha, Valdemar colocou mais uma tigela de sopa e serviu-a ao homem. Pela primeira vez desde que o olhara na porta reparou algo muito estranho, o homem tinha uma cauda e não usava sapatos, também nem poderia com aqueles pés de bode.

— Quem é você mesmo?

— Sua filha está melhor? — perguntou o homem levando uma colher de sopa à boca.

— Como sabe da minha filha?

— Você me contou. Não se lembra? — O homem colocou a colher sobre a mesa e começou beber a sopa direto da tigela, limpou a boca com um guardanapo, o dobrou e cruzou os braços reclinando-se na cadeira.

— Não me lembro... — Valdemar suspirou e largou a colher.

O estranho homem debruçou-se sobre a mesa, pigarreou até ganhar a atenção de Valdemar, assim que a conseguiu, sorriu e propôs:

— Você sabe exatamente o que tem de fazer. A alimentação é crucial nesse processo.

— A alimentação? — Valdemar coçou a cabeça e olhou para a escada que levava até o andar de cima, onde a filha descansava. — Que tipo de alimentação?

O homem gargalhou espalhafatosamente e deu um tapa na mesa, que vibrou violentamente fazendo com que sopa respingasse na toalha já encardida. Ele levantou-se mantendo as mãos sobre a mesa, encarou Valdemar com um par de olhos profundos, avermelhados e com minúsculas chamas iluminando-os de dentro para fora.

Valdemar sentiu-se paralisado diante dos olhos flamejantes e do alvo sorriso hipnótico. Engoliu em seco e respirou fundo algumas vezes, só depois lançou novamente a pergunta que tanto o incomodava.

— Quem você disse que é mesmo?

— Essa não é a questão, meu caro. Até por que, você já sabe a resposta — disse o homem abanando a cauda fina e escamada. — Três pratos, três noites e tudo se resolve.

Valdemar piscou e quando abriu os olhos, o homem não estava mais lá. Sentiu sua pele arrepiar-se e seu sangue enregelar. Subiu as escadas cautelosamente e sentou-se ao lado da filha, esquálida, fria e respirando baixinho. Passou os dedos entre seus cabelos e suspirou enquanto seus olhos vertiam lágrimas salgadas com odor ferroso.

O VisitanteOnde histórias criam vida. Descubra agora