Capítulo 11

3 0 0
                                    


Usei algumas joias de ouro e brilhantes que estavam comigo quando fui levada para o hospital: uma aliança, um anel, um par de brincos com uma pequena pedra de brilhante e um relógio de pulso também de ouro e brilhantes. Encontrei as joias numa pequena bancada ao lado da cabeceira da cama, no hospital. Paguei a corrida do táxi e um hotelzinho barato onde passei algumas noites, numa cidade pequena de praia: Arembepe, que fica no litoral norte da Bahia. Estava sem os documentos, sem referências e, naquele momento, era até melhor, para não ser encontrada e, principalmente, pelas pessoas que me colocaram naquela condição.

Percebi que ainda não conseguia falar. Havia um bloqueio e eu não entendia porque as palavras se articulavam em minha cabeça, mas não conseguia coloca-las para fora. Certamente isso me deixou extremamente assustada. Tinha pensado que apenas no hospital eu ainda estivesse em choque e por isso tinha preferido calar. A joia mais valiosa era o relógio e com ele consegui comprar uma calça jeans, uma blusa simples de algodão e duas calcinhas. O que restou foram duas notas de cinquenta reais, depois de eu fazer através de mímicas sinais de que valia muito mais. Com esse dinheiro consegui comer e beber por dois dias, e comprar algumas garrafinhas de água.

Saí da pequena cidade de Arembepe e fui para a estrada andando e pedindo caronas, acabei chegando em outra cidade do litoral, dessa vez mais no final do litoral baiano. Sítio do Conde era o nome da cidadezinha. Estava com muita fome e levava uma sacola plástica com as roupas que saí do hospital. Em pé, na frente de um restaurante, consegui um pouco de comida. Não poder falar já começava a me trazer problemas. Estava com muita sede e me vi entrando num mercadinho para pegar uma garrafinha de água e acabei parando num pequeno posto policial. Pelo menos dormi duas noites nesse posto numa pequena cela, que graças a Deus estava vazia.

Consegui comer, beber água e dormir por dois dias. Até que achando que eu era maluca, resolveram me soltar e mais uma vez eu estava sozinha e completamente desesperada. Continuei andando sem rumo e fui parar numa praia onde tinha um acampamento, e pelo que tudo indicava, eram hippies. Todos jovens e de boa aparência. Duas meninas e três rapazes. Consegui uma muda de roupa limpa com uma das moças, e também me deram comida e água. O fato de eu não falar não pareceu interessar a eles. Finalmente me senti fazendo parte e já estava há bastante tempo com eles e o seus costumes.

Ficava sempre no meu canto e evitava me aproximar deles, principalmente dos rapazes; eles bebiam muito e fumavam muita erva. Reparei que um deles também se mantinha distante das drogas e apenas bebia. Costumavam me oferecer e eu sempre negava. Até que um deles; o que aparentava ser o mais velho, resolveu querer me obrigar a fumar a droga, e como resisti, ele tentou me violentar.

— Qual é, belezinha. Aqui todo mundo colabora e facilita! — eu estava apavorada. O homem parecia enlouquecido e apertava meu braço.

— Largue ela! — esse que estava me defendendo era realmente o mais tranquilo dos três, e não usava muitas drogas. Aparentava ser alguém que nada tinha a ver com tudo aquilo ali.

— Qual é a sua, cara? A gostosa chegou aqui, se deu bem, e agora nega fogo? Nada! Precisa pagar... — o homem resistia ao comando do outro e apertava ainda mais o meu braço.

— Falei para largar a moça. Ela não quer e fim de papo! — de repente fui literalmente arrancada da mão do homem que me segurava, e senti o braço doer.

Maluco, falei que quero a gostosa! Fique fora! — ele tentou se aproximar e o que estava me protegendo abriu um canivete e o ameaçou.

— Fique longe! Se tentar se aproximar eu furo você que nem um porco! — eu ficava cada vez mais apavorada com o que pudesse acontecer.

— Qual é a sua, maluco!? Estão vendo isso? Vocês não vão fazer nada? Eu sabia que não podia confiar nesse cara. Ele também chegou aqui como essa aí. E foi ficando. Também nunca falou muito. E agora tá querendo me furar!

O homem berrava descontrolado. Eu continuava segura próxima do meu salvador, e o outro homem já estava olhando de cara feia também para ele. O medo me paralisou.

— Escutem! Não quero machucar ninguém. Só não acho certo a gente forçar a menina a fazer o que não quer. Olhe só, estamos saindo fora. Agradecemos a estadia, mas não vamos ficar mais na companhia de vocês.

Ele começou a andar sem se virar. Ainda com o canivete na mão e me rebocava junto a ele. Eu olhava de olhos esbugalhados, os outros parados e só acompanhando os nossos movimentos de saída.

Finalmente conseguimos nos afastar bastante e os outros não nos seguiram. Fomos andando pela estrada escura e eu ainda muito assustada, não parava de olhar para trás.

— Sei que você não fala, embora escute bem, pelo que percebi. Vamos até um ponto de ônibus um pouco mais a frente, onde você vai pegar o primeiro ônibus que passar e vai seguir para a cidade próxima. Tome.

Ele tirou de dentro de um bolso na bermuda Cargo que usava, umas poucas notas de 20 e 10 reais e tentou me entregar. Eu dei dois passos para trás e movi a cabeça em negativa.

— Você é tão jovem ainda. Acredito que deva ter pouca idade. Volte para sua família. Você viu que para mulher é sempre muito mais difícil.

Continuei negando com a cabeça e segurei a mão dele. Queria que fosse comigo e não me deixasse sozinha. Era um rapaz muito bonito. Bem diferente de mim. Ele era alto e muito forte. Cabelos castanhos compridos presos num coque alto na cabeça, estilo samurai. Barba fechada. O que não impedia de ver os traços jovens do belo rosto. E os olhos... azul índigo. Nunca tinha visto igual. Muito bonitos os olhos dele.

— Escute, meu anjo. Olhe para mim. Acha justo, uma menina linda e indefesa como você, andando por aí, no meio de gente como eu e eles? Correndo um perigo que sei que não está acostumada. Olha pra você. Para suas mãos, tão macias e delicadas.

Continuei parada, segurando a mão dele firmemente. O corpo um pouco trêmulo ainda com medo.

— Tá. Não precisa ficar com esses olhos lindos, tão apavorados. Venha. Vamos tentar alguma carona. Não podemos ficar parados aqui. Preciso encontrar um nome para você já que não fala. Quando puder escrever, escreverá o seu nome. Deixa ver... hum... olha lá a lua como está linda. Isso me lembra um planeta que me encanta muito. Vênus. E esse será o seu nome até que consiga dizer o verdadeiro. Uma linda Vênus. Vamos!

Continuamos a caminhada entre uma carona e outra, passamos algumas horas mais na estrada, até que chegamos a sua cidade. Estávamos já em outro estado. Sergipe. Mais uma carona e chegamos a Aracaju. Eu já estava no limite de tanto caminhar até que ele parou em frente a uma linda casa. Uma mansão belíssima próxima a uma praia. Ele ficou parado alguns instantes olhando aquela casa, até que abriu o grande portão de ferro, me pegou pela mão e fomos andando em direção a porta de entrada, quando surgiu uma linda moça que veio correndo em nossa direção e se atirou nos braços do meu amigo, sufocando-o de alegria.

— Mano!? Mano querido, você voltou! Meu querido irmãozinho...

Ficaram abraçados em forte emoção. A menina chorava e apertava o irmão.

— Oi maninha. — Ele beijou a irmã na testa e em seguida olhou em volta. — Como estão todos?

— Tristes por você ter nos deixado para... ah, esquece. Você voltou. Está aqui. É o que importa. — Nesse momento os olhos dela pousaram em mim.

Ao contrário do que esperei, a linda menina de longos cabelos loiros e lisos, de olhos idênticos ao do irmão, se aproximou e me abraçou. Mesmo estando com as roupas sujas. Cheirando mal. Sem banho decente há dias. O cabelo ensebado e embaraçado. Ainda assim ela simplesmente me abraçou apertado. E eu senti tanta saudade dos meus. A minha amada prima Bia teria feito a mesma coisa. E eu chorei. Os soluços me dominaram e eu apertei os braços ao redor daquele anjo loiro e generoso e chorei sem controle. A doce menina apenas me apertou mais em seus braços até que os soluços diminuíssem e eu mesma me afastasse.

— Venha! Precisa de um banho, comida e descanso. Parece exausta. E você também, irmão. — Ela pegou na minha mão e na do irmão, e sem mais perguntas foi nos levando para dentro da casa. 

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 27, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

NOSSA VIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora