Numa fria tarde de outono

Capítulo único

Eu não sabia o que era o amor, pelo menos não até o dia que ele me beijou. Era uma tarde fria de outubro, fria pois tinha chovido a noite inteira e parte da manhã, e estávamos passando um tempo na casa na árvore. O cheiro de terra e grama molhada era inebriante, lembrava a infância. Não que isso tenha sido há muito tempo, claro. Faltavam apenas dois dias para eu completar dezessete. E por isso ele veio me visitar.

Igor e eu sempre fomos muito próximos, desde que éramos pequenos. Nos conhecemos no ensino fundamental, quando minha família e eu nos mudamos para Vale Verde. E apesar de ele ser quase dois anos mais velho que eu, nos tornamos bons amigos. Melhores amigos. Vivíamos na casa um do outro, sempre andando juntos pelo centro da cidade em nossos uniformes.

Quando Igor se formou no fundamental e mudou de escola, ele sempre dava um jeito de sair mais cedo só para me encontrar no horário da minha saída. Ele fazia questão de me acompanhar até em casa, mesmo ele morando do outro lado da cidade. "Aeróbica faz bem pra saúde." ele dizia com um sorriso. Agora que ele se formou no ensino médio e se mudou para a capital para fazer faculdade, ele ainda faz questão de viajar de volta pra cá só para passarmos o meu aniversário juntos.

_ Hey Yumi! Você está me ouvindo? _ a voz de Igor me chamando me despertou do meu devaneio.

Tenho a sensação de que ele estava falando já a alguns minutos e eu não estava ouvindo.

_ Oi! Me desculpa... Eu estava com a cabeça em outro lugar. O que você disse?

_ Eu perguntei o que você pretende fazer depois que se formar no ensino médio. Ano que vem é seu último ano de escola, certo? _ ele sorriu. _ Já tem algum plano?

_ Eu... Eu não...

Eu não sabia o que responder. Eu nunca tinha parado para pensar no que viria depois de eu me formar. A verdade é que as coisas ficaram meio cinzas depois que ele foi embora para a capital. E tudo que eu queria era voltar aos dias em que éramos só eu e ele contra o mundo. Para os dias de verão que passávamos à beira da piscina. Para dias como aquele em que ele me levou para acampar na serra.

Era férias de junho e Igor tinha acabado de fazer dezesseis. Ele havia descoberto que eu nunca havia acampado e, já que ele sempre acampou com o pai desde pequeno, ficou indignado com isso e decidiu que me levaria para acampar na serra. Então numa sexta-feira à tarde ele pegou seu equipamento de camping e parou na porta da minha casa com a caminhonete do pai e disse para eu preparar minha mochila. E lá fomos nós... Dois adolescentes acampando sozinhos no meio do mato pelo fim de semana.

Você poderia supor que ele aproveitou que estávamos só eu e ele para dar em cima de mim ou algo do tipo, mas não. Igor sempre foi muito gentil comigo. Talvez gentil até demais. Acho que ele sempre me viu como uma irmã mais nova ou coisa assim. O final de semana foi ótimo. Nadamos no rio, tomamos banho de cachoeira, conversamos por horas sentados perto da fogueira e Igor até conseguiu pescar um peixe que preparou para o jantar.

_ Hmm... Vai me dizer que você não tem nenhum plano? Não pensa em dar o pé dessa cidade? _ ele perguntou rindo.

_ Eu só nunca parei para pensar nisso... Além de que, para onde eu iria?

Eu tinha a resposta pra minha pergunta. Eu queria ir para a capital. Para perto dele. Mas eu não podia dizer isso a ele. Isso soaria infantil.

_ Você não pensa em entrar pra uma universidade? _ ele perguntou curioso. _ Sempre achei que você se daria bem nas Artes Plásticas.

_ Bom, eu... Eu não sei se tenho talento o suficiente pra isso. _ respondi timidamente.

_ Tá brincando? Você é a melhor pintora que eu conheço!