Nina Avante tem um plano: até o fim do ano, ela vai revelar aos pais que não pretende continuar naquilo que eles a vem ensinando desde que se entende por gente. Ainda que ela ame tocar piano, a garota sabe muito bem o que quer fazer quando enfim ter...
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ENCARO O BALCÃO da Ardentia Locadora sentindo o nó na garganta já começando a se formar. Observo cada detalhe do caixa, dos pôsteres de filmes nas paredes e dos DVDs recém-devolvidos ainda largados em um canto. Tento guardar tudo na memória, cada som e cada cheiro, me esforçando ao máximo pra que eu consiga me lembrar bem de tudo por muito tempo.
Dói muito dizer adeus pra esse lugar.
— Tem certeza de que vai fazer isso, Nina? — Iara pergunta, meu avental abarrotado ainda em suas mãos. Ela parece determinada a me fazer mudar de ideia. — A banda ter acabado não tem nada a ver com o seu emprego aqui. Não faz o menor sentido você tá jogando isso fora também.
— Preciso focar no piano — explico, minha voz saindo bem mais fraca do que eu gostaria, nem um pouco firme. — A audição tá chegando e não posso deixar nada me atrapalhar.
Minha melhor amiga não responde, só continua me encarando com essa expressão de, sei lá, pena, eu acho. Iara parece triste e preocupada, e eu nem sei como melhorar a situação. Não posso mentir e dizer que essa decisão é a melhor que posso tomar, porque nem eu acredito nisso. Mas sei que é a única escolha que eu tenho.
Damião se aproxima de mim, do outro lado do balcão, arrastando em minha direção um envelope dobrado. Ele parece tão triste quanto a Iara, e isso parte o meu coração.
— O seu salário do mês e mais uma contribuição pelo seu tempo aqui — diz, me dirigindo um sorriso desconsolado. — Vou sentir sua falta, Nina.
— Também vou sentir a sua, Dam — asseguro, guardando o envelope na minha mochila, sem coragem alguma de olhá-lo nos olhos. Juro. Se eu continuar aqui por muito tempo é capaz até de eu desistir desse pedido de demissão. — Obrigada por ter sido o melhor chefe do mundo, viu?
— Eu que te agradeço por ter sido a melhor funcionária do mundo. Esse lugar não vai ser o mesmo sem você. Agora os fregueses vão ter que aturar a Iara.
Ela solta uma risada, dando de ombros pra concordar com ele. Não escondo o sorriso, apesar do peito apertado e do choro preso na garganta. Cara... vou sentir muito a falta de tudo isso aqui.
— Como uma forma de agradecimento — Damião diz, levando seu olhar para as prateleiras cheias de DVDs atrás de nós —, pode alugar qualquer filme. Por conta da casa.
— Você é o melhor, Dam! — exclamo, indo direto até o fichário da locadora procurar a assinatura de uma pessoa específica. Força do hábito.
Faz tanto tempo desde a última vez em que aluguei um filme por causa de Frida que fazer isso até me parece estranho agora. Sinto falta da época em que Lennon era um total desconhecido na minha cabeça, quando fantasiar sobre ele e seu gosto fantástico por filmes era a melhor parte do meu dia. Quero dizer, ela. Ou sei lá. Até hoje eu desconheço o motivo de Frida usar esse nome para alugar DVDs.
