Capítulo único

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"É preciso ter elegância

para continuar sendo gentil

em situações cruéis"

Rupi Kaur.


Sirius discordava. Sirius discordava que precisava sofrer em silêncio, estampando um sorriso no rosto e proferindo palavras de conforto que pareciam vazias aos seus ouvidos. Odiava a elegância e a gentileza quando estas serviam apenas para reforçar uma imagem de que permanecia inabalável com o mundo caótico em que vivia.

Engoliu o sentimento de desamparo, sabia que não estava sozinho, tinha James, Remus, Peter, Lily... Apertou os dentes para se impedir de rosnar, os olhos queimavam. Marlene McKinnon já não estava mais lá para abraçá-lo e sussurrar que tudo iria ficar bem, mesmo que fosse apenas puro otimismo. Não podia arriscar ver James e Lily, não com a luta da Ordem em seu ápice... Remus a essa altura estava muito ocupado e ele se via perdido nos nomes das pessoas que já perdera até agora.

Sentia-se sozinho.

Sentiu-se sozinho até ouvir a porta do quarto escuro ranger, resistiu olhar sobre o ombro, em vez disso inspirou profundamente tentando se recompor. Não funcionou muito bem, no momento em que Peter se sentou ao seu lado, Sirius suspirou derrotado e deu um jeito de afastar a foto que segurava nas mãos até que o amigo pudesse escondê-la dele.

Peter pegou a foto e observou a mancha amarelada sobre o papel, havia derrubado café sobre a mesma no mesmo dia em que fora tirada. Todos juntos, Alice e Frank, os Potter, Mary, Dorcas e Marlene, Remus e os outros dois marotos. Abriu um sorriso meio culpado.

– Sinto falta disso – Murmurou o loiro.

– Eu também – Sirius respondeu ainda olhando pela janela para o cenário cinza de Londres.

– Se lembra como me conheceu? Sempre tive a impressão que não gostava muito de mim – O Black sorriu culpado, se lembrando que, a princípio, aquilo era verdade.

– Você me convenceu a gostar, não largou do meu pé ou do de James até o aceitarmos no grupo – Eles se olharam com a memória conseguindo aquecer o ambiente.

– Nós formamos um grupo bem esquisito, os marotos – A estratégia de distrair Sirius estava funcionando, então Peter apenas continuou – Tinha o nerd com cicatrizes misteriosas, o melhor jogador de quadribol com óculos que vivia quebrando, um garoto gordinho e dentuço e...

– Um sangue-puro metido a roqueiro – O moreno fungou e deitou a cabeça no ombro de Peter – Acha que essa guerra vai acabar?

– Acho. Sirius, eu nunca consegui dizer isso, mas tenho orgulho de você, sei que já ouviu isso de Remus e James sempre demonstrou que o considera como um irmão, mas eu... – Pettigrew fez silêncio um momento – Eu devo muito a você, não acho que um dia vou conseguir ter todas as qualidades que você tem.

– Qualidades? Até onde eu sei, rebeldia e humor ácido nunca foram as melhores virtudes – O loiro mordeu o lábio e levou a mão até o cabelo de Sirius, fazendo um carinho, coisa que nunca havia se permitido fazer até então.

– Coragem e lealdade são as que mais aprecio em você – Sirius ergueu os olhos para ele, que se encolheu um pouco.

– Você é melhor que eu – Pettigrew negou com a cabeça, se fosse melhor que o Black, provavelmente já teria confessado que nutria sentimentos pelo outro, teria tido coragem para ser rejeitado de cabeça erguida.

– Não, eu não sou – O moreno se ajeitou e olhou para ele, os olhos cinza penetrando o azul calmo do loiro.

– Você é gentil, é uma qualidade que eu gostaria de ter – Peter entreabriu a boca tentando pensar em algo para falar, mesmo que seu nervosismo não deixasse nada a princípio.

– Você é gentil, é a pessoa mais gentil que eu já conheci – Piscou algumas vezes rápido.

– Então porque eu me sinto... Devastado? Não consigo ver nada de bom que eu possa fazer por mim mesmo ou qualquer outra pessoa – Pettigrew estremeceu, não podia deixá-lo pensando aquilo.

– Você me deu uma chance, quando ninguém mais deu. Não teria conseguido passar por todos os anos em Hogwarts sem você, ou então quando saímos e eu não sabia o que fazer...

– Eu não ajudei muito nisso.

– Mais do que você pensa – Ficaram ambos perdidos juntos, era o tipo de conexão que não se espera, mas na qual você pode encontrar algum conforto.

– Ok, Peter, acho que... Acho que podemos parar com esse papo afiado, eu deveria sair dessa, fazer algo de útil – Sirius falou, mas não se mexeu, em vez disso se pegou com os olhos fixados no outro, esperando alguma coisa.

Peter não fazia ideia do que falar, ou de como "quebrar o gelo", em vez disso, retribuiu o olhar que o Black lançava a ele. Nenhum dos dois havia previsto isso, fosse o que fosse, algo naquele momento fez com que Sirius se inclinasse um pouco, quase como se fosse beijar o amigo. Em algum milésimo de segundo naquela ação, Sirius se deu conta do que estava prestes a fazer e se afastou, deixando Peter com o coração acelerado.

Sem dizer nada, o moreno se levantou e andou para longe, ainda confuso com aquilo que havia acontecido. Peter permaneceu no mesmo lugar por alguns minutos, esperando recuperar a capacidade de agir ou falar. Quando isso aconteceu, saiu do quarto, desceu as escadas e encontrou Sirius no hall. Sem pensar duas vezes, beijou o Black.

O frio da estação pareceu gelar ainda mais o ambiente, mas o beijo aconteceu como um breve momento de reconforto. Sirius segurou a cintura do loiro e fechou os olhos, as semanas sem nenhum contato físico quase o haviam feito esquecer como precisava daquilo. O toque de Peter parecia envolve-lo com carinho, algo que o Black precisava mais do que nunca. Quase podiam se esquecer da solidão, da guerra lá fora, da crueldade e das poucas gentilezas que encontravam no dia a dia. Um pequeno espaço de tempo para curar momentaneamente a dor que estavam sentindo. 

Poesia de outonoOnde histórias criam vida. Descubra agora