Corte de Asas Perdidas. CONCLUÍDO.

11

A chuva dissipou apenas no fim da tarde fazendo com que as nuvens escuras dessem lugar a luz dourada do entardecer que pintou os prédios e as ruas de pedra de Valeria com uma luz dourada reluzente pelas gotas de água, essa mesma luz dourada entrava pelos vidros riscados e foscos das três janelas do apartamento de Hela ainda bagunçado pela reforma, ela ainda adormecida da mesma maneira que Nyx a havia colocado na cama enquanto esse estava sentado em uma cadeira ao lado, os cotovelos apoiados no joelhos, as mãos unidas com os dedos entrelaçados e a boca encostada ali, o olhar azul violeta era perdido, mas fitava as cicatrizes nas costas de Hela e ele notou que talvez todo o corpo dela fosse coberto por cicatrizes, o que explicava ela sempre estar usando roupas de mangas longas e calças.

Nyx respirou fundo e fechou os olhos, encostou a testa nas mãos, mas logo levantou o rosto novamente ao escutar um gemido de dor vindo de Hela que agora se movia lentamente na cama, ela moveu o braço levando a mão para perto do rosto, as pálpebras tremiam e lentamente os olhos foram se abrindo, no começo eles não focavam a imagem do macho alado sentado na cadeira ao lado da cama, mas quando ela notou que era Nyx ali os olhos se arregalaram ela olhou por cima do ombro vendo as costas totalmente livres de tecido deixando todas as suas cicatrizes expostas, inclusive as que ela mais odiava.

— Não, não... — ela disse baixinho apoiando as mãos no colchão para se sentar, ela segurou o resto da blusa sobre o peito escondendo os seios, mas os ombros e parte dos braços estavam expostos deixando mais algumas cicatrizes menores a vista.

Nyx engoliu em seco enquanto Hela abaixou a cabeça fazendo a franja agora mais comprida cair sobre seus olhos.

— Você não devia estar aqui... — ela disse com a voz chorosa. — Você não devia ter visto — levantou o olhar marejado para Nyx que agora tinha uma expressão de pesar no rosto, a expressão que Hela odiava que as pessoas tinham quando olhavam para ela, aquele olhar de pena, o rosto dele... Aquilo partiu o coração dela pois não queria que Nyx a visse daquele modo, como algo digno de pena.

— Vá embora — ela disse entre os dentes, seus olhos tinham um brilho de raiva e ela tremia não apenas por estar raivosa, mas também por que suas costas ainda doíam. Nyx continuou quieto, sem mover um musculo. — Eu disse para ir embora! — a voz dela se exaltou e lágrimas começaram a rolar pelo rosto corado.

— Eu não vou a lugar algum — disse a voz de Nyx mais firme e grave do que ela jamais escutara.

— Por que você está aqui, droga?! — ela gritou fazendo até mesmo as veias de seu pescoço saltarem. — Por que você veio aqui?!

— Eu disse que traria roupas para você escolher, eu apenas vim aqui para deixa-las e não esperava te encontrar se contorcendo de dor na porra da banheira, Hela! — desta vez a voz dele que ficou alterada. — O que queria que eu fizesse?! Que ignorasse os seus gritos e choro e fosse embora?! Que te deixasse dentro daquela água gelada até morrer de hipotermia?!

— Sim! — a resposta fora rápida e certeira como uma flecha, a voz dela estava até mesmo rouca. — Eu sempre lidei com isso sozinha Nyx, não é por que agora eu tenho alguém que tem pena de mim que...

— Eu não tenho pena de você! — ele se levantou rapidamente e bruscamente fazendo com que ela olhasse para cima para encarar seu rosto. — Eu não tenho pena de você...

— Então o que é isso no seu rosto? Que expressão é essa?

— Quer que eu fique impassível vendo essas cicatrizes, Hela? Quer que eu não sinta nada apenas imaginando o que você passou? Empatia e pena são coisas diferentes — ele disse fazendo com que Hela encolhesse os ombros.

— Eu não sou um passarinho que caiu do ninho Nyx... — o queixo dela tremia enquanto ela trincava os dentes tentando fazer aquela tremedeira passar. — Eu odeio isso...