"That must be so confusing for a little girl".
ANNE RUPERTON
Flashback on
Com os olhos ardendo, engulo o nó que se formou minha garganta e me recuso a chorar. "Não é como se você já não tivesse passado por isso de novo Anne", mando o comando ao meu cérebro e continuo observar os mosquitinhos pousados no teto. Sete, oito, nove, dez... Quem se importo com os malditos mosquitos, eu estou desabando!
Sinto a maldita lágrima quente escorrer pelo canto do olho e retiro os óculos me permitindo sofrer por alguns minutos. Tinha virado uma rotina. Acordar, comer, deitar e se martirizar pela terrível solidão instalada em meu peito. Todos os dias. Todos os dias. A mesma coisa. Sempre.
Joguei as pernas pra fora da cama e me levantei com um incômodo no estômago. Morta de fome. Desci alguns degraus pulando a madeira empenada e enxerguei Diana próximo a bancada da cozinha com seu copo preenchido pelo líquido âmbar. Conhaque. 9:00 horas da manhã. Tudo normal por aqui.- Bom dia mãe. - Observei a mulher dar um longo gole na bebida e me saudar com um breve comprimento de cabeça - A senhora já deu a mamadeira pro Rick?
- Não - Seca e irresponsável. Ela estava ótima.
- Tudo bem, eu cuido disso. - Encerrei nossa conversa andando até o armário e deslizando uma uma pequena panela pra cima do fogão já aceso.
Diana era uma mulher linda. Mas podre. Não no sentido de esnobe, mas no sentido humano. Ela era péssima. Ao que eu me lembre, poucas vezes na vida eu a vi alimentando Rick, o caçula. O bebê de enormes cabelos escuros e de um olhinho maior que o outro. Ele mal tinha completado 6 meses e já vivia nessa confusão toda que era nossa vida. Suspirei.
- Você deveria fazer alguma coisa. Sei lá, procurar um emprego. Eu não tenho condições e nem obrigações de alimentar marmanjos embaixo do meu teto sem ajudar com nada. Está ouvindo Anne? Não tenho!
- Sim mamãe, um dia desses irei fazer isso. Prometo. - Mais precisamente quando eu completar 16 anos mamãe, eu só tenho 13. Completei minha resposta mentalmente.
A mulher virou as costas e rumou para o ultimo quarto do corredor. O quarto dela. Em poucos minutos um chorinho baixo foi ouvido e eu compreendi que Rick tinha acordado. Hora da mamadeira.
Desliguei o fogão e peguei a panela com o mingau que eu preparei rapidamente, coloquei no recipiente azul com a ponta de borracha um pouco amarelada e experimentei a temperatura. Perfeito.
2 minutos depois adentrei ao quarto dos meninos. Era pequeno mais muito bem arrumado. Modéstia parte, eu era ótima com organizações. Observei a pequena bolinha deitada no berço fazendo movimentos desenfreados com a mão, como se me chamasse.- Oi bolotinha da irmã, dormiu bem? Quietinho querido, você vai acordar o seu irmãozinho... - Observei seu olhos curiosos e apontei pro outro montinho de lençóis e travesseiros.
Paul era um bebe de quase dois anos que tinha a péssima mania de dormir com a cabeça tapada, quase morri algumas vezes achando que a criança poderia morrer sufocada. Rick e Paul tinha diferença de 1 ano e 2 meses, mas não eram nem um pouco amigos, o gênio dos dois era terrível, pareciam um furacão e um tsunami juntos, Santo Deus.
Aninhei o menino entre os braços e levei a mamadeira até sua pequena boca. Ele estava com muita fome. Segurou as duas mãozinhas no vidro e me olhou como se eu fosse uma heroína.
Eu queria ser a heroína de vocês crianças. Eu sempre vou querer.———————————————————————-
- Você podia me ensinar a fazer aquele cálculo de novo Anne, por favorzinho! Eu te pago um sorvete de flocos. - Encarei o menino um pouco menor que eu. Cabelos castanhos, olhos da mesma coisa, branquelo e de nariz enorme.
- Sorvete de flocos e cobertura de morango. - Revirei os olhos pegando meu caderno - Senta ai e não abre a boca.
- Você é demais! Por isso que é minha melhor amiga. - Leonard conseguia salvar até meus piores dias. Mas ele me irritava.
Meu melhor amigo fanático por futebol e pouco interessado nos estudos continuou falando pelas próximas 2 horas o quanto ele odiava matemática e que ele nunca iria estudar porque queria ser jogador de futebol famoso. Se ele jogasse tão bem quanto narrava sobre os jogos que assistia, ele com certeza teria sucesso. O garoto tinha uma família gigante que me tratava sempre como se eu fosse um integrante nascida dela, eu adorava todos eles, era legal me sentir importante pra alguém.
- Mamãe disse que a gente pode comer pizza lá em casa hoje a noite An. Ela vai fazer aquela de frango com requeijão que você ama, e a gente pode comprar as coisas pra fazer nosso brigad... - Interrompi seu discurso empolgado
- Não dá, eu tenho que cuidar dos bebês, você sabe. Deixa pra próxima. - Sorri amarelo pra cara de desapontamento que se formava no menino.
- Mas An, e a sua mãe? Ela não pode ficar com eles?
- Leo, Diana não vai poder. Desculpa.
- E porque não?
Porque ela vai estar bêbada demais pra lembrar dos filhos. De novo. Pensei em responder.
- Ela vai trabalhar até tarde hoje de novo. Na próxima eu vou! - Agarrei o menino pelos ombros numa espécie de abraço e lhe dei um beijo estalado na bochecha
- Você sempre fala isso. Nunca vou te mostrar minhas camisas de futebol novas desse jeito - Ignorei sua murmuração e continuei caminhando entre o mar de gente no refeitório tendo Leo ao meu alcance.
Mais um dia Anne. Menos um dia. Você sabe que consegue.
Flashback offMe viro e descarto a terceira bituca de cigarro do dia jogando-a no chão e pisando com o calcanhar por cima. Todos temos segredos afinal. Eu duvido, que neste mundo, exista alguém livre de segredos. Mesmo o mínimo que for. E isso não é nenhum pecado, claro.
20 anos e um histórico exemplar em problemas. Essa era eu.
Progenitoresalcoólatras e irresponsáveis, um irmão depressivo e outro egocêntrico, uma família metade complicada, metade sensacional. Claro que os bons são os famosos "parentes distantes", a sorte não gosta muito de mim caro leitor.
Vivi boa parte da minha vida no luxo, isso eu não poderia negar. Até meus 11 anos eu era a boneca dos olhos do meu avô, eu tinha absolutamente tudo que eu quisesse, chegava ser repulsiva de tão mimada. Mas ai... as coisas mudaram drasticamente. Ele se foi e eu fiquei aqui. Uma criança usada como saco de pancadas pra todos os lados. Cruel de se ler, não é? Acho que todos nós passamos por um divisor de águas em nossas vidas, e o meu foi quando meu avô de 1,93 de altura partiu dessa pra uma bem melhor.
Meu pai não era o cara mais legal do mundo, nossa comunicação mal existia. Eu era uma criança carinhosa, adora ver filmes de ação e brincar de bola no quintal. Sozinha. A solidão por muito tempo me incomodava, mas depois de certos tipos de situações, eu ansiava por ela novamente.
Essa é a história da minha vida. Sugiro que pegue uma caixa de lenços.
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Ruins: The Heart Noise.
Non-Fiction"Uma menininha não devia ser forçada a crescer tão rapidamente."