Capítulo V: Temor e culpa...

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_Cara, você está horrível. - Disse, esfregando os olhos e ajustando a vista para observar o tubo enfiado no pescoço do visitante trajando uma camisola azul, parecida com a que cobria seu corpo.

_Eu sei, aquele desgraçado me acertou bem na traqueia. Sorte que não morri. - Respondeu, forçando um sorriso.

_Ou azar, já que estamos no inferno, de qualquer forma. O que foi aquilo, afinal?

_É o que estamos tentando descobrir, vou ligar para Kimberly. Assim que puder, encontre Nicholas e traga-o; nós vamos terminar nosso trabalho, seja a merda que for!

_Certo... afinal, nem sei o que aconteceu com Nick depois que desmaiei. - Apressado, retirou as agulhas da veia e levantou rapidamente da maca. Tentava disfarçar a vertigem enquanto caminhava para a porta de saída e desapareceu pelo longo corredor branco com diversas entradas para quartos individuais de pacientes.

Embora estivesse com medo, Mark estava ainda mais determinado a acabar com aquilo tudo, afinal, se estava vivo até aquele momento, precisava fazer valer a pena... Só teria de convencer Kimberly.

Na mesma hora, digitou o número de sua amiga no telefone e esperou três a cinco toques, antes de ouvir uma voz cansada pelo outro lado da linha.

_Mark?

_Kim, eles também ouviram. - Inconscientemente, se levantou, caminhando até a porta final do corredor, que dava para uma varanda alaranjada pela luz do pôr do sol.

_Do que você está falando? Ouviram o quê?

_O mesmo que aconteceu conosco, aconteceu com Michael e Nicholas. Agora temos mais suporte para continuarmos.

_Não! Não me venha falar que temos que continuar essa merda, olha o seu estado! - A voz saía firme e decidida, mas ele sabia que ela estava em pânico.

_Nós precisamos... e estarei com você nessa! Kimberly, você confia em mim?

Houve um breve silêncio. Ele sabia que ela estava pensando, conhecia aquela mulher como ninguém. Parecia egoísmo sua proposta, afinal, não era como se ele tivesse muito o que perder, mas os outros ainda estavam inteiros... ou quase isso.

_Não me peça para compactuar com isso. Não é justo. - Enquanto a mulher se queixava, seu amigo pensava no que usar para convencê-la.

_Não é justo? Você diz isso logo para mim, que me tornei um dependente de equipamentos para manter essa droga de organismo funcionando e perdi 15 quilos? Que tive a garganta arrebentada nessa merda de situação, onde deveriam ter chamado um padre e não policiais?

A mulher se irritou com aquilo. Ele tentaria mesmo manipulá-la?

_Não é porque você se feriu nesta merda, que pode achar que vai convencer algum de nós com esse discurso fajuto de autopiedade! É egoísta da sua parte fazer isso. - Ficou sem mais argumentos para induzi-la e ainda conseguiu deixá-la irada. Ótimo, um passo para trás. - Não aja como se devêssemos algo a você. Serviu o exército por muito tempo, se tornou Capitão; por fim, escolheu entrar para a polícia. Você estava ciente dos riscos.

Apertou o topo do nariz, frustrado com a situação, ainda mais pelo fato da mulher estar certa. A fim de reduzir o estresse da discussão, olhou em volta por um momento. Pessoas em cadeiras de rodas ou usando muletas, com bandagens sobre a pele queimada, ou parte do rosto que sofrera algum acidente com um dos olhos pareciam felizes apesar de tudo e isso o surpreendia. Por que ele não poderia conviver com dois pequenos estragos?

_Certo, se decidir fazer algo, me ligue. Não vou tentar mais te convencer a isso.

Chamada encerrada.

Perdido em sua reflexão, sentiu uma mão tocar seu ombro e se assustou, olhando para trás com os olhos arregalados.

_Me desculpe, não queria te assustar. - A enfermeira disse. - Só queria lembrar que já faz mais de uma hora que você está aí sentado, acabou de se recuperar de uma crise de stress, precisa se alimentar. Quer ficar internado mais um pouco? - Brincou a mulher, sorrindo. Mark forçou um pequeno sorriso para ela e assentiu.

_Obrigado, já vou entrar. - Ela se levantou e o homem voltou seu olhar para o pátio, mais propriamente para uma criança franzina, aparentemente um menino, que brincava com uma bola, solitário. Pensou em se aproximar e brincar um pouco para alegrá-lo, mas ainda não podia se esforçar além da conta, nem fazia seu tipo ser como pessoas que tentam sempre fazer os outros felizes. Embora não estivesse interessado em tomar uma iniciativa, ainda se perguntava o porquê de não conseguir desviar o olhar de seu rosto pálido, a ponto de permanecer cerca de dez minutos o encarando, somente até perceber uma prótese aparente em sua mandíbula.

Aquilo já estava ali?

Então, ele se lembrou.
O rosto sereno, apesar de possuir traços robustos, se transformou numa carranca de horror; tamanho medo que não o permitiu se importar com sua fragilidade exposta ao deixar escapar um arfar de susto e correr de volta para seu quarto, fechando a porta com as costas e permanecendo grudado com elas no metal gelado após escorregar para baixo e abraçar seus joelhos tentando se acalmar.
De fato, entendia a reação de Kim.

"Que patético! Um homem de quarenta anos com medo de uma criança doente" é o que diria se aquilo fosse mesmo uma criança; já não era fazia muito tempo.

Mesmo que tentasse se reerguer, dizendo em pensamento para si mesmo que estava velho e vivido demais para ter medo de "apenas" aquilo, sua respiração ofegante e batimentos acelerados não se normalizavam, tais como a tremedeira em suas mãos suadas que esfregavam o couro cabeludo em outra tentativa de se acalmar. Nada. Estava tendo outro ataque de pânico.
Ao mesmo tempo que temia o mal vindouro, estava cansado, revoltado por ser atacado de forma tão baixa, no auge de sua impotência e agora esperava ansioso pela alta, principalmente quando se lembrou de que seu compromisso com a corporação permanecia, assim como o de todos; portanto, sua volta à ativa também estava próxima.

_Mark! Achei Nicholas, agora vamos sair daqui. - Se assustou. Mesmo que não quisesse gritar, a voz de Michael ainda emitia um desespero aparente, assim como as batidas fortes na porta que estremeciam as costas do capitão, que finalmente separou-se de onde estava e se curvou no momento em que seu corpo levantou, ainda instável, para atendê-lo.

_Entre, vamos pensar em uma estratégia; não vamos meter os pés pelas mãos. - A quem queria enganar? Mal conseguia pensar em como reagir quando se deparava com qualquer referência àquele massacre.

O jovem, com hematomas por toda a pele pálida, mostrando os resultados de seus surtos, assim como sua olheiras salientes denunciando as noites mal dormidas, sentou-se na maca e respirou profundamente antes de balbuciar em tom exausto:

_O que nós podemos fazer para acabar com esse inferno? Estão me taxando de esquizofrênico e, depois da história de Jason sobre aquele sanatório, eu é que não estou a fim de parar em um. - Imediatamente, os olhos sem brilho fitaram o de seu superior, que desviou para os de Michael, o único que permaneceu trabalhando naquele lugar, logo, teria mais informações. A expressão do homem negro foi clara para ele.

_Neste tempo, estão fazendo uma análise do corpo dele, e tenho quase certeza de que, para a mídia, vão alegar suicídio para abafar o caso; ou seja, menos abutres pagando de detetives e nos enchendo o saco, mas mais repórteres na nossa cola nos taxando de irresponsáveis em rede nacional, como se a morte daquele inútil fosse culpa nossa. O caso foi arquivado; então, Mark, precisamos de sua ajuda e da ajuda do detetive Thompson para reabri-lo e apurar mais uma vez as investigações. Kimberly, com certeza, irá aprovar.

_Kimberly nem mesmo topou fazer parte disto ainda, mas esse será nosso primeiro passo assim que voltarmos para a corporação, então... Esperamos a licença acabar?

_Não há tempo. - Disse olhando para os lados, como um tique nervoso.

_Como assim?

_Aconteceu novamente. - Mike e Nicholas afirmaram em uníssono, mas não lhes gerou espanto, nem a eles, nem a Mark.

_Entendo... comigo pode ter acontecido o mesmo, mas creio não ter sido alucinações como no caso de ouvirmos pessoas inesperadas balbuciando sobre o ritual; na verdade, um dos pacientes daqui é um garoto com a mandíbula danificada... usa uma prótese. De duas, uma: comigo pode ter ocorrido uma coincidência do caralho, ou o que quer que seja está nos pressionando cada vez mais.

The Ritual Of Bones - Volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora