Era meio da tarde, Dora estava completamente perdida em seu livro aberto, o cheiro do café tomava conta do ambiente por completo. Vez ou outra levantava a cabeça, observava ao redor e percebia que o casal que estava sentado na mesa ao lado já tinha saído, a família à frente pedia a conta e as crianças que desenhavam no cantinho, entre mini poltronas, já não estavam mais ali rindo e celebrando com seus gizes de cera coloridos nas mãos. O tempo passava em um ritmo todo próprio, garçons corriam para cá e para lá, a xícara do café que tinha pedido há algum tempo ainda estava na mesa, agora só a marca marrom no fundo, deixando claro que um dia existiu um café expresso ali.
Continuava sua leitura quando uma voz passou a invadir e misturar palavras, não sabia se escutava ou se lia. Era um daqueles raros momentos que seu foco estava completamente dividido, a história parecia interessantíssima, mas não queria se meter na vida alheia. Seria alguém conhecido? Se perguntou em silêncio, voltando três vezes na frase que tentava ler insistentemente... Voltava a ler a frase desde o começo, respirava fundo e sua mente repetia: "Relaxar, obviamente, é uma empreitada assustadora" e se perdia novamente. Era como se a conversa ao longe, entre altos e baixos, lhe puxasse a todo instante.
- Aí eu sei lá como consegui isso aqui ó – conseguiu ouvir mais claramente
- Mas você acha que isso basta? – o rapaz falava e Dora mais uma vez continuava sua leitura "Relaxar, obviamente, é uma empreitada assustadora para aqueles de nós que acreditam que o mundo..."
- Acho que sim, qualquer coisa entro em contato com você – a voz a puxou de volta, lhe era estranhamente familiar, mas ela jamais viraria, não seria indiscreta assim, precisava manter o mínimo de bom senso, repetia para si mesma.
- Certo. Eu fiquei preocupado, você sabe como são essas coisas – o rapaz continuava e novamente Dora se voltava ao trecho que lia "Relaxar, obviamente, é uma empreitada assustadora para aqueles de nós que acreditam que o mundo só gira porque tem uma alavanca em cima que nós mesmos giramos..."
- Claro, claro. Eu entendo sua preocupação, mas sigilo total – e de repente a conversa tomou completamente sua atenção. Era algo sigiloso, era algo que ela não devia ouvir e por isso mesmo estava completamente atenta tentando entender os detalhes.
- Obrigado. Tem muita coisa em jogo – o rapaz falava e ela queria saber naquele instante qual o era o jogo e o que era muita coisa, mas nem que tentasse apurar todo o foco auditivo não seria possível entender, pois um grupo de adolescentes adentrou o café como um raio, cheio de risadas e conversas altas, e acabou atrapalhando completamente o seu objetivo.
"Relaxar, obviamente, é uma empreitada assustadora para aqueles de nós que acreditam que o mundo só gira porque tem uma alavanca em cima que nós mesmos giramos e que, se largássemos essa alavanca por um instante que fosse, bem – seria o fim do universo..." se parou na própria leitura e se perguntou o que mesmo estava lendo, respirou fundo e chegou à conclusão de que teria que voltar ao parágrafo anterior porque claramente havia lido sem ler.
- Dora? – ouviu e achou que estava ficando louca, não era possível que alguém a encontrasse em um café antes mesmo das 17h, era uma quinta-feira, um dia qualquer e mesmo que adorasse o lugar, sabia que dificilmente encontraria alguém conhecido ali.
- Dora? – a mão lhe tocou o ombro e lhe tirou do transe em que estava lendo, pensando se alguém iria encontrá-la ali e o quanto gostava daquele lugar quase escondido na cidade – Oi!
- Ei! Liz! – tomou um susto – Nossa! O que você tá fazendo aqui? – se ajeitou na cadeira, meio sem jeito.
- Reunião só – Liz respondeu olhando curiosamente para o livro que estava aberto em cima da mesa.
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Caminhos Cruzados
RomantizmNarrar uma história é, de certa forma, brincar com a imaginação e organizar o tempo e as palavras. Em Caminhos Cruzados, os tempos se misturam e dançam em sua própria música. Dora, Liz , Carol e Thiago dão o tom dessa jornada e descobriremos junto...