Os espaços se preenchiam preguiçosamente ao passo que a reunião se aproximava. Ana Vitória soltou um "boa tarde" baixinho quando entrou e se dirigiu para o fim da sala, onde a perfeita cadeira esperava por ela. Sentou-se sem alarde e abriu a pasta com o material que havia separado e o seu tablet para anotações. A manhã não começara como esperado e mesmo ainda sendo o meio da tarde parecia mais um dia perdido em meio ao estresse e frustração. Por isso Ana Vitória preferiu sentar escondida em um canto, em silêncio, para não se desentender com seus colegas visivelmente estressados. Todos os peões já estavam ali, esperando o rei e sua guarda chegarem para que as peças pudessem se mover.
Não estranharam quando pelo menos dez minutos se passaram até o CEO finalmente aparecer, acompanhado por Mattias, o diretor da seção e chefe de todos sentados ali. Os dois conversavam animados, ignorando a existência de seus subordinados. Mas então o CEO pareceu lembrar metade dos bons modos e cumprimentou a todos com um balançar de cabeça preguiçoso.
Ana Vitória estava sentada no melhor lugar, poucas pessoas conseguiam vê-la sem se virar totalmente para ela, mas ela poderia observar a todos sem causar constrangimento. Notou que, assim como ela, seus colegas não estavam nada contentes com aquela reunião. Não havia sido algo marcado em cima da hora, pelo contrário, anunciaram aquele encontro com antecedência e tiveram tempo de terminar seus projetos e preparar tudo o que era necessário. Mas mesmo assim nem um deles estava satisfeito.
O problema era Mattias. Ele sempre era o problema. Ana Vitória puxou na memória há quanto tempo ele estava trabalhando ali. Pouco mais de seis meses? Algo por aí. Antes de Mattias chegar, tudo estava muito bom, obrigado, mas aquela criatura conseguiu estragar tudo.
Quem o visse poderia até pensar que estava naquele cargo por competência, que o cargo de CIO era perfeito para ele, mas era necessário apenas dois dias para realmente ver quem Mattias era. O filho incompetente do dono. Ana Vitória estreitou ainda mais os olhos enquanto observava o homem se arrumando na frente de todos, pronto para sua apresentação de algo que não conhecia.
Mas Ana Vitória entendia muito bem o que ele estava falando. Havia sido ideia dela. A pesquisa e o desenvolvimento também. Poucos horas antes, Mattias havia avisado que Ana Vitória não poderia apresentar seu próprio plano, que ele Mattias faria isso. Não seria grande problema se aquele infeliz não pegasse para si os créditos por tudo.
Era sempre assim: ele iria decorar a apresentação, usar seus dois neurônios e o seu incontestável carisma para fazer o chefão aceitar a proposta. Receberia todos os louros e elogios enquanto o resto do time era relembrado mais uma vez de sua posição de peões.
Mas Ana Vitória estava guardando seus sentimentos para si. Mantinha sua melhor poker face e apenas assistia em silêncio ele falando tudo que ela conhecia tão bem. Seu novo projeto de segurança era perfeito, ela sabia que não havia falhas. Iria com certeza levar toda a segurança de dados ali dentro há outro nível.
Como calculado, não tinha como o CEO não gostar do que foi mostrado. Nem foi preciso esperar a apresentação chegar ao fim para que já tivesse dado seu aval.
Que pena, Ana Vitória pensou, finalmente erguendo o canto da boca em um sorriso zombeteiro. O CEO foi o primeiro a se retirar e logo atrás os seus peões. Ana Vitória e Mattias ficaram por último. Ele queria falar com ela para começarem a colocar em prática o novo plano.
– O expediente acabou. – Ela juntou suas coisas e conferiu a hora no relógio de pulso.
– Não pode ir embora agora, precisamos pensar em como...
– Não, não. O expediente acabou.
Ana Vitória já estava à porta quando ele a segurou pelo braço.
– Então amanhã cedo iremos...
– Não, Mattias, hoje termina meu aviso prévio o que talvez você não saiba o que significa, mas amanhã vai ter outro mané no meu lugar porque eu não trabalho mais aqui. E como todo mundo estava ocupado com um milhão de projetos e eu trabalhei sozinha, infelizmente eu sou a única capaz de realizar tudo em tampo hábil. Mas tenho certeza que seu novo cachorrinho vai dar conta do recado enquanto você lambe as bolas do seu papai.
– Mas o quê...
– Pois é, isso é o que eu queria dizer praticamente desde o primeiro momento que você entrou aqui. Que bom que você é bom com as palavras e sabe conquistar os outros, porque na sua função você é um zero à esquerda. Se não fosse o resto do time não saberia nem por onde começar. E ainda se acha melhor do que todo mundo por conta desse maldito cargo que ganho do seu pai. Mas a verdade é que você só se aproveita do trabalho dos outros para se promover, não escuta seu próprio time e acha que vai longe assim. Nem para cópia você serve, Mattias e espero que pelo menos você me escute e tome um rumo na sua vida.
Mattias estava em choque, era óbvio que ninguém nunca havia falado com ele daquela forma. Seu rosto estava vermelho de raiva, mas as palavras não saíam de sua boca, logo ele que sempre tinha uma resposta para cada situação. Estava lá, congelado em frente à mulher que o encarava com olhos felinos.
– Bem, boa sorte aí.
Ana Vitória saiu da sala e não olhou para trás.
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Ana Vitória
Short StoryConto escrito para o desafio do Sodalício das Pétalas para o mês de outubro, inspirado pela música Copycat da Billie Eilish.